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Quem diria, Zéfiro ganhou dois livros

O vereador Moacir Tosin, presidente da Câmara Municipal, está preocupado com a escalada da pornografia. Não apenas a programação dos cinemas espanta o vereador, mas, especialmente, os cartazes dos filmes e, nas bancas de revistas, as publicações que apelam para o sexo. Tosin já se pronunciou várias vezes a respeito e nesta cruzada moralista sempre encontra vozes de apoio - apesar do comportamento da própria população ter mudado muito em relação ao sexo. xxx Uma das propostas de Moacir é que a Prefeitura proíba a exposição de cartazes de filmes e das próprias revistas pornográficas nas bancas - partindo do raciocínio de que não se vendo, não há maior perigo para "as famílias, as crianças". Embora a teoria da avestruz nesta proposição moralista do simpático vereador possa merecer reparos, não deixa de lembrar o que observamos, há algumas semanas, numa pequena cidade do Rio Grande do Sul, Santa Rosa - 700 km de Porto Alegre, quase divisa com a Argentina. Ali, a principal banca de revistas e jornais, tem um armário nos fundos, com um pesado cadeado. A chave do mesmo só é entregue "para maiores de 18 anos" e em seu interior ficam as revistas e livros pornográficos. Na dúvida de idade dos interessados, o dono não tem dúvida: exige documentos. xxx Nos anos 50, quando apareciam os "catecismos" pornográficos escritos pelo misterioso Carlos Zéfiro - precursor do erotismo, numa linguagem de quadrinhos que hoje é reavaliada, as bancas de jornais e revistas vendiam clandestinamente estas publicações - perseguidas pelas autoridades policiais. Hoje, os raros exemplares de Carlos Zéfiro merecem estudos de quadrinhólogos e no ano passado saíram dois livros a respeito: um do desenhista e pesquisador Octacílio Ribeiro, ex-editor da revista "Cinemim" e agora coordenador da edição nacional de "Mad" (que voltou a sair pela Record) e outro coordenado por Joaquim Marinho. Em "A Arte Sacana de Carlos Zéfiro", Murtinho, 41 anos, advogado, jornalista, crítico de cinema, dono de três cinemas em Manaus e, sobretudo um colecionador fanático, estão sete das mais deliciosas estórias de Zéfiro - um artista dos quadrinhos que jamais foi identificado. Marinho é dono da maior coleção de publicações, filmes, vídeo-cassetes etc. relacionadas ao erotismo e durante alguns meses manteve uma coluna especializada na revista "Status". No livro que organizou para a Editora Marco Zero, além de sua introdução, incluiu três apreciações teóricas: "Sonhos Eróticos de uma Década", de Domingos Demasi; "O Naif da Sacanagem: Uma Reflexão Sobre a Obra de Carlos Zéfiro", do antropólogo Roberto da Matta - um respeitado professor e autor de livros importantes - inicia seu texto com uma colocação tão lúcida que merece ser transcrita: "Falar da sexualidade e do erotismo é como discursar sobre o pecado, a pobreza, o tabu, o incesto, a violência e todos esses temas onde sempre se exige a tomada de uma posição e a definição de uma linha. Quer dizer: o discurso sobre o erotismo e a pornografia deve ser um discurso datado e feito de uma certa posição. Ou ele é contra ou é a favor. Tudo indica que não há outra posição senão aquelas já determinadas por quem tira o material de letra dando uma volta por cima; ou por quem considera esse material algo pernicioso, capaz de indução ao crime ou, o que seria muito pior, a perversão e pecado. Conforme já disse num trabalho devotado ao estudo sociológico da violência no Brasil, trata-se sempre de um "discurso escandaloso" que elimina uma série de problemas cruciais em nome de uma evasão de caráter moralista, pois defensores e atacantes estão sempre como os times de um jogo de futebol e ambos querem vencer a partida de qualquer maneira". Ao longo de 17 páginas, o autor de "Carnavais, Malandros e Heróis" faz uma lúcida análise da sexualidade e do erotismo que Zéfiro colocava em suas estórias - de um prisma bem brasileiro. Também Sérgio Augusto, jornalista na "Folha" e que há 18 anos foi o primeiro profissional a se debruçar sobre os quadrinhos, com uma coluna especializada no "Jornal do Brasil", em seu artigo de seis páginas analisa o sentido primitivo da pornografia de Carlos Zéfiro - em relação às centenas de outros exemplos existentes no Exterior, especialmente nos Estados Unidos, onde Robert Crumb, com seu "All New Zap Comix" (lançado na primavera de 1968) trouxe com atraso muito do que o até hoje anônimo Zéfiro (apesar de todas as tentativas, nunca se conseguiu identificar quem desenhava e escrevia estas estórias) realizava em condições precárias - impressão pobre, papel de jornal - e de distribuição ultraclandestina. xxx A experiência de editor de Faruk El Khatib, na Grafipar, como editor de publicações eróticas, já foi citada em uma tese publicada há alguns meses - conforme aqui registramos. Carlos Zéfiro, quem diria, tem dois livros interpretativos de sua obra. E o cinema pornográfico que nos últimos cinco anos cresceu em progressão geométrica a partir da Boca do Lixo, em São Paulo, também começa a interessar estudiosos. Portanto, a pornografia é mais ampla do que podem pensar os guardiões da moral pública. E uma realidade a qual a técnica do avestruz de nada adianta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
21/11/1984

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