RPM & Milton, um encontro musical
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de junho de 1987
O projeto foi tão inusitado como atraente em termos de marketing que a CBS não deixou por menos: para o lançamento oficial do mix em que se encontram o grupo de rock de maior sucesso do Brasil - o RPM (mais de 3 milhões de cópias vendidas de seus dois elepês) e um dos monstros sagrados da moderna MPB - Milton Nascimento, teria que haver mesmo um evento especial. Assim foram reunidos num dos salões do Cesar Park Hotel, em Ipanema, Rio de Janeiro, na terça-feira, 9, jornalistas da área musical vindos das principais capitais do país, mais colegas do Rio de Janeiro e São Paulo, para um papo descontraído e simpático com Milton, Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Paulo Pagni e Fernando Deluqui.
Só que estes dois últimos - mais o baterista Robertinho Silva - praticamente não abriram a boca, justificando que Paulo Ricardo e Schiavon falassem por eles.
Óculos escuros - que tirou apenas uma vez durante os 60 minutos da entrevista - Paulo Ricardo, transformado em sex symbol masculino do rock tupiniquim no ano passado, falou bastante sobre a parceria com Milton Nascimento - resultando nas duas músicas que compoem o mix mais sofisticado já editado no Brasil (capa dupla, ilustrações interiores de Marcelo Grasman): "Homo Sapiens" e "Feito Nós".
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Cada vez menos tímido - justificando que na verdade, no íntimo nunca foi introvertido, apenas que no início de sua carreira temia a imprensa pelo que pudesse "distorcer de minhas palavras" ("mas agora a imprensa ficou diferente"), Milton falou bastante. Disse de como nasceu a idéia de uma associação musical com os rapazes do RPM, há mais de um ano, durante um encontro que teve com eles, em Los Angeles, após um show - quando o grupo musical lá se encontrava, com o produtor Mazzola, mixando o lp "Rádio Pirata ao Vivo" (que vendeu mais de 2 milhões de cópias). Assistindo a Milton, naquela noite, estavam também Herbie Hancock, Tina Turner e Lee Ritenour. "E Milton esbanjando energia no palco", depõe Mazzola.
Os rapazes do RPM falaram ao Milton de sua admiração, cantaram suas músicas - "não só as mais novas, mas aquelas mais antigas". A idéia de uma marceira Milton-RPM começou a germinar, mas se passaram muitos meses para que se concretizasse - com Milton colocando a letra em "Homo Sapiens", música de Paulo e, depois, Paulo fizesse a letra para "Feito Nós".
Feito um anjo/ Decadente
Meio santo, meio gente/ à meia luz
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O projeto conseguiu ser guardado em segredo. "O que acho surpreendente, já que raramente se consegue no meio artístico se manter algo em sigilo", comentou Milton, acrescentando, humorado:
Um segredo que três sabem só continua segredo se dois morrem...
Os jornalistas perguntavam bastante a Paulo, Schiavon e, especialmente a Milton, sobre esta associação - aparentemente estranha, considerando que em 20 anos de carreira o Bituca tem trabalhado basicamente com um grupo de velhos amigos, a maioria mineiros - entre os quais se destaca Fernado Brandt, poeta e letrista com quem tem inúmeros sucessos. Em sua voz pausada, com segurança, Milton falou:
- "Não tenho e nunca tive barreiras. Tenho mais estrada do que os rapazes do RPM, mas houve uma identificação com a sua música. Não separo o rock, discriminadamente, embora, muitas vezes, exista quem procure colocar as questões em termos de crítica. Sempre busquei lições de companheirismos, pois o artista, com o microfone, tem uma responsabilidade do encontro, da amizade e da comunicação."
Paulo Ricardo, com lucidez, também procurou colocar a sua participação:
- "Este encontro, naturalmente, tem muitos reflexos. O resultado, nas duas canções que fizemos, encontrou um significado. Afinal, procuramos, a nossa maneira, dizer as coisas que ele procura dizer."
Luiz Schiavon, em intervenções bem humoradas, respondeu as questões relacionadas aos caminhos artísticos do RPM, o próximo disco do grupo - no qual utilizarão inclusive sons de berimbau - e do desejo de não asfixiarem "apenas pela vendagem de milhões de cópias".
Paulo Ricardo, tranqüilo e calmo o tempo todo, só sobressaltou-se quando uma repórter lhe indagou sobre a fofoca que mais foi noticiada no ano passado: a sua saída do grupo para uma possível carreira solo.
- "Em absoluto, nem pensar!"
No final não poderia faltar a questão das drogas, a propósito da condenação do roqueiro Lobão. Paulo Ricardo, que no ano passado teve problemas com o porte de maconha (preso no aeroporto do Galeão, quando viajava para Londrina), foi enfático:
- "De princípio, nossa solidariedade ampla, integral e irrestrita com o amigo Lobão. Já fomos visitá-lo na prisão no Ponto Zero e estamos confiantes na justiça..."
E acrescentou:
- "Eu acho que a gente tem milhões de outras bandeiras. No Brasil, na maneira como está a gente batalhar pela discriminalização da maconha, acho que é um luxo. Afinal, há tantas outras prioridades, que esta é uma questão para países desenvolvidos, onde as elites conquistam seus direitos - como na Espanha, onde a maconha foi liberada. Enfim, cada civilização tem as leis que merece..."
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