Solheid, o que teve a arte de viver com amor
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 30 de outubro de 1991
Desde a tarde de segunda-feira, 28, as eleições no Paraná tornaram-se mais difíceis de serem realizadas. Não porque os partidos políticos estejam em crises ainda maiores - embora divergências e rupturas aconteçam naturalmente - mas porque o Tribunal Regional Eleitoral perdeu um de seus mais eficientes executivos.
Mas não só o TRE que perdeu um funcionário de carreira, que ali ingressando em funções humildes, chegou a posições importantes, especialmente na coordenação de esquemas preparatórios e de acompanhamento das muitas eleições que aconteceram nestes últimos anos. Pode-se dizer que mais do que o advogado e executivo da Justiça Eleitoral, a morte inesperada de Carlos Francisco Solheid, na tarde de segunda-feira, retirou de nossa cidade uma das pessoas mais competentes e, sobretudo, estimadas em vários círculos. Um homem de permanente bom humor, um mestre na arte de fazer amigos, um relações públicas nato - algumas das definições que eram lembradas em seu enterro, acompanhado por poucas pessoas, pois a morte inesperada, que veio num fatal enfarte, fez com que não houvesse tempo para que o seu grande círculo de relações fosse informado. Amigos nunca faltaram a Solheid, que soube fazê-los ao longo de seus 55 anos - que completaria em 15 de dezembro.
Quando prefeito, Ivo Arzua foi um dos homens que percebeu em Solheid a sua capacidade de resolver o difícil em questão de minutos e demorar um pouquinho aquilo que parecia impossível. Mais do que um espontâneo homem de relações públicas - quando estas funções ainda eram novidades na área municipal - Solheid era também um assessor cultural, sensível e inteligente, com uma sólida formação herdada de seus pais - o "seô" Francisco Carlos, filho de belgas e a mãe, dona Nair Requião von Meyen, descendente de austríacos que lhe passaram e a suas irmãs - Maria Margarida (1928-1969), Regina e Yvone, uma visão aberta do mundo.
Assim, quando Arzua foi levado pelo presidente Costa e Silva para o Ministério da Agricultura, Solheid - junto com uma equipe de técnicos paranaenses - o acompanhou, exercendo diversas funções: desde liquidante do antigo Instituto Nacional do Mate até a área do cerimonial, sempre com a maior eficiência. Foi uma época em que Solheid pouco via sua primeira esposa, a sempre terna Rinolda - e os três filhos - Francisco Carlos, Sílvia e Carmen Lúcia (esta hoje residindo em Lisboa, esposa do fotógrafo Kiko Kremer). Acordava no Rio e ia dormir no Recife, passando por várias cidades, resolvendo situações, aparando arestas, cumprindo missões - sempre com um bom humor e alegria que o faziam enfrentar os mais diversos momentos com tranquilidade. Um homem voltado às coisas culturais - especialmente a música, capaz de se emocionar com "Chão de Estrelas" e cantar, sem erros, "La Marselha" e que só tinha uma frustração: não ser tão habilidoso quanto Nereu Teixeria em fazer da caixinha-de-fósforos um instrumento percussivo na linha de Ciro Monteiro. Nereu - hoje o secretário de governo da Prefeitura que busca, com sua competência, evitar que se ampliem as áreas de atrito político de Jaime Lerner - pertenceu a um grupo de amigos que, na Curitiba dos anos 50/60, fazia do jornalismo, da saudável boêmia musical (com extensões etílicas) e sobretudo da arte do encontro a receita de bem viver. Infelizmente, o tempo que não pára, está levando os melhores desta geração - o grande Renato Muniz Ribas, o radialista Roberto Souza, Ducastel Nycz - três lembranças que ficam na nostalgia de uma época feliz - e da qual, outros companheiros - como o Arzua, o doente há anos - ou Enock de Lima Pereira, afastando-se do jornalismo e das madrugadas, também deixaram estórias - algumas das quais, Nereu, com seu texto leve e inteligente, contou em suas colunas no "Correio de Notícias" e também neste "Almanaque" - e que há muito já mereceriam serem reunidas num livro - se existisse vida inteligente e criativa na direção da paquidérmica FUCUCU.
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Homem bem amado - que o digam quem o conheceu e teve o privilégio de sua amizade, encontrando na suave e bela Tamara, sua segunda esposa, a imagem de Solheid, que fica era o do homem de bem com a vida, que sem se afastar de seus princípios, soube extrair, a cada momento, o melhor que este nosso cotidiano pode nos dar. Um homem de imenso coração - e nele cabiam muitas paixões, algumas das quais, se não fossem seu cavalheirismo e discrição - renderiam ótimas memórias - e que morreu numa tarde de verão, entre flores e pássaros, em sua bucólica casa nas margens da BR-277.
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