Um canto de amizade deu o prêmio a Gereba e Capinam
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 31 de julho de 1991
Tendo a amizade como temática, o poeta (José Carlos) Capinam, baiano da esplanada, 50 anos e violonista e compositor Gereba (Winston Geraldo Guimarães Barceto), baiano de Monte Santo, 48 anos a serem completados no dia 14, criaram um belíssimo samba-canção há seis anos, que só agora será conhecido nacionalmente "Três por Acaso".
Grande vencedor da IX Feira Avarense de Música Popular, esta canção de versos enternecedores e melodia comovente - valorizada por uma interpretação marcante de um jovem gaúcho de 19 anos, Loma, abrirá o disco com as onze músicas do mais importante festival de MPB do Interior do Brasil - a ser lançado dentro de algumas semanas em produção independente.
Gereba, ex-integrante do grupo Bendegó, 4 elepês - o último dos quais em parceria com Tom Zé ("Cantando com a platéia", produção independente), conta que "Três por acaso" nasceu também por acaso, quando numa viagem para um show em Itapinga, no Interior da Bahia, ele e Capinam (letrista e poeta dos mais conhecidos, ex-secretário da Cultura no governo Waldir Pires na Bahia) pararam em Vitória da Conquista para almoçar na casa do compositor Shangay (sobrinho de Elomar, grande cantador).
- "Durante o gostoso almoço, rolando música e papo, o Capinam fez um poema que me entusiasmou tanto que na hora nasceu a melodia".
Quando três por acaso/ Amigos se encontram
E começam a cantar a paixão/São línguas de fogo
conversar e jogo/Vícios do coração
São horas perdidas/Que o relógio não marca
segue seu curso a serpente/Enquanto eu de repente
Faço somente o que sou.
Por unanimidade - mas o que não significou que não houvessem demoradas discussões em torno das outra cinco músicas premiadas - "Três por acaso" teve os 13 votos do júri do Fampop formado pelos pianistas Amilson Godoy (Tuca) e Geraldo Flach, compositor-cantor Lenine, cantor Suzana Salles, jornalistas Edmar Pereira, Roberto Moura e este repórter; editor Manoel Pinto, Wilson Rodrigues Poso (diretor da RGE), produtos Jairo Pires, animadores culturais Helton Altman ("Vou Vivendo"), Paulo Cezar Rezende (ex-Funarte, hoje IBAC), e a cantora Alaíde Costa (na noite do encerramento).
Em segundo lugar, classificou-se "O Encontro das Águas", composição da dupla Jorge Vergílio e Jota Maranhão, do Rio de Janeiro. Uma canção romântica, lembrando estruturalmente as músicas de Djavan, mas que entusiasmou parte do júri - com defensores inclusive para o seu primeiro lugar. Em terceiro lugar ficou "Béradêro", de Francisco César Gonçalves (Paraíba), também reconhecida, por unanimidade, como melhor letra.
Em trajes originais, numa verdadeira performance, Chico César valorizou sua canção, com letra das mais trabalhadas, numa estrutura moderna.
Aldir Blanc (Mendes), 45 anos a serem completados amanhã mesmo com a consagração de mais de 300 letras - das quais pelo menos 50 sucessos nas vozes mais famosas - não conseguiu dar ao seu parceiro Moacyr Luz, uma letra que impressionasse ao júri. Assim o "Choro das Ondas" ficou num modesto quarto lugar, para irritação de Moacyr Luz - violonista e que acompanhou a interpretação e, posteriormente, no jantar de encerramento, era o único dos concorrentes a mostrar sua decepção pelo resultado. Apesar de uma bonita concepção, a letra de Blanc está longe de seus melhores momentos nesta parceria com Luz, compositor que fez há dois anos um excelente elepê independente.
Em quinto lugar ficou "a música mais comunicativa do Fampop, "Polca Outra Vez" de Geraldo Roca (Campo Grande, MT), defendida por Paulo Simões (parceiro habitual de Almir Satter) e o grupo expresso Arrasta-Pé. Apesar de uma longa letra - que dificulta sua divulgação mais ampla, "Polca Outra Vez" tem um ritmo contagiante.
"Porto dos Marfins", do mineiro Sérgio Santos - que a defendeu, com a ajuda do afinado Ladson do Nascimento (também compositor e cantor, já com um elepê independente lançado, "Vida") ficou com o prêmio de melhor arranjo. Um choro com toques pop, infelizmente mal desenvolvido na segunda parte, "Pé na Estrada", perdeu na categoria instrumental mas valeu ao seu autor, o guitarrista Rodrigo Campelo o prêmio de melhor instrumentista. Loma por "Três por acaso", levou o prêmio de melhor intérprete.
As outras cinco músicas finalistas - que embora não premiadas farão parte do elepê do IX Fampop foram:
Mãe e Filha, do carioca Eduardo Marques, com uma letra claramente influenciada por Chico Buarque, bem desenvolvida e com um toque de familiar erotismo.
Dois corações - romântica canção de Tavito (mineiro, ex-Som Imaginário) e o tecladista Ricardo magno, que foi também o intérprete. Uma letra com uma bela abertura romântica: Dois corações e um mesmo caminho/ Pegando a estrada da vida para seguir/ As emoções são estrelas que nos guia/ Dois corações não se cansam de sorrir".
Ventos de Palmares - um reggae forte, de José Alexandre - também intérprete e que teve a valorizá-lo a afinada banda do festival, no qual se destacou o múltiplo instrumentista Paul Garfunkel (flauta,sax), irmão de Jean Garfunkel - que disputava o Festival de cascavel.
Ironia Blues - candidata de Avaré, dos compositores Oswaldo Rodrigues Júnior e Pedro Paulo Zavagli. Simpática composição, com uma letra rápida em sua estrutura.
Das 20 canções com letras (quatro eram instrumentais), a única que não chegou a ser apresentada foi "A Sopa", de Marcos Pimentel, sobre um poema original de Lewis Carroll (1838-1898), recriado por Augusto de Campos. Se concorresse, teria provocado debates por sua estrutura literária, assim como aconteceu com "Ferrovia Zen", do carioca Ronaldo Malta - a canção mais discutida pelo júri, mas que acabou ficando fora das finalistas apesar de seus méritos.
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