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Aramis

Um filme sem concessões sobre o medo dos homens

Domingo, sessão das 20h30min no cima I. A platéia praticamente lotada. Inicia-se a sessão de "O Exercíto Inútil". Após uma belíssima introdução - soldados em marcha, movimentos coreografados de uma forma quase de balé, fotografados em tom cinza pastel - a ação passa para o interior de um alojamento, numa base americana, em 1965. A fotografia é propositalmente escura - e se mantém neste clima até o final - com a câmara buscando os close-ups dos poucos personagens. Diálogos longos entre jovens soldados, na angústia dos últimos dias no quartel, a espera da ordem de embarque para o inferno do Vietnã. Nos 100 minutos seguintes, a ação não deixa, um único instante, o interior do alojamento. No máximo, a câmara se permite a folcalizar algumas cenas exteriores através da vidraça. Diálogos brutais entre os personagens. Nunca se viu, em tão pouco tempo, tantos palavrões, uma linguagem tão crua. O público se inquieta. Pouco a pouco começa o esvaziamento do Cinema I. Dezenas de casais deixam a sala. Mais do que o choque de diálogos repletos de palavrões, o ritmo teatral da narrativa incomoda o espectador. Os longos primeiros monólogos dos personagens e profunda mistura de medo, revolta, angustia e sexo entre jovens que sabem do que os aguarda no Vietnã. De certa forma, trava-se uma guerra íntima entre jovens como Billy (Mathew Modine), o garotão saído da faculdade; Richie (Mitchel Lichtenstein), o homossexual gozador e de boa família ; Roger (David Alan Grier), o negro que reflete o racismo e a solidão e especiallmente, Carlyle (Michael Wrigt), que age como o estopim na explosão de tragédia final. Os personagen s vão envolvendo-se numa angústia terrível. Como se os homens nem precisassem da guerra para encontrar o lado escuro do coração. E os diálogos brtais, o desespero com que cada personagem joga suas dúvidas, desejos reprimidos e especialmente terror faz com que "Streamers"cresça a cada sequência. Ao final, menos de cinquenta por cento do público que havia eentrado no Cinema I permanece. Mas este público fica estarrecido, acompanhando as últimas imagens, até o acender das luzes após os ultimos créditos finais. A sensação de muitos é aplaudir o filme Realmente, tal como num teatro, "O Exército Inútil" mereceria, ao final de cada sessão, os aplausos de quem foi capaz de entendê-lo em toda sua dimensão. xxx "Streamers"é um termo de gíria que indica o "Charuto", ou seja, o pára-quedas que não se abre. E poucas vezes, uma gíria foi tão bem ajustada ao clima de um filme extremamente amargo. Em momento algum, existe concessão ao humor, ao entretenimento. Durante quase duas horas, são imagens masculinas (uma única atriz, aparece de relance), na discussão de temas fortes - dos quais o medo e o homossexualismo são os mais constantes. David Rabe, o autor da peça que baseia "O Exército Inútil", escreveu este texto há 10 anos, logo após a saída dos americanos de Saigon. Mas a ação se passa em 1965, onde quatro recrutas e dois sargentos, num quartel de Virginia, antes mesmos de partirem para o fronte de batalha, já mergulham, cegamente nas florestas morais. E este clima de terror, de medo do que está para ser enfrentado - e da loucura de uma guerra sem sentido - é que deu a "Streamers" uma dimensão tão forte, um rigor tão grande em sua crítica ao militarismo. xxx O diretor de " O Exércido Inútil", Roberto Altman, 60 anos, 28 de cinema ( a partir de "Os delinquentes", 57), é um dos mais inquietos realizadores americanos . Percorrendo com eficiência os mais diversos gêneros, jamais se deixou aprisionar pelos esquemas do sucesso fácil. Ao contrário, mesmo conlocando em risco sua carreira sempre se lançou em propostas incômodas - mas extremamente importantes de serem discutidas. Neste "O Exército Inútil", realizado em 1983, ficou num único cenário - o sombrio alojamento de um quartel - e assumiu uma linguagem teatral. Posteriormente, levaria este experimentalismo a momentos ainda mais radicais, fazendo um filme-monólogo com um único ator, interpretando o presidente Richard Nixon, bêbado, em delírio na Casa Branca (este filme foi exibido na Recente Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, mas não terá distribuição comercial no Brasil). A premiação única que "Steamers" obteve no festival de Veneza - pela primeira vez, um conjunto de melhor desempenho foi dado aos cinco atores (Matthew Morine, Michael Wright, Mitchel Lichnstetei, David Alan Grier e Guy Boyd) deve ter influênciado para que a Art filmes se dispusesse a distribui-lo no Brasil. Realmente são minimas as chances de "O Exército Inútil"alcançar um público maior do que aquela faixa especial de espectadores capaz de absorver toda a denúncia do texto de Rabe, a coragem de uma linguagem crua e uma proposta de cinema-teatro levada às últimas consequência. Uma visão militarista longínqua do humor (crutisco, mas facilmente absorvível) que o mesmo Altman produziu há 15 anos passados ("M.A.S.H ."), de tanto sucesso que motivou uma série de televisão. Assim como Altman questionou o western, no paleolítico "Quando OS Homens São Homens " (71) ou "Buffalo Bill e os Índios " (1976), discecou a sociedade americana ma trilogia "Nasheville", "Cerimônia de Casamento""Health"(este inédito nos cinemas), também usou todo simbolismo em outra trilogia magnífica - "Imagens""Voa é com os Pássaros"e "Três Mulheres". Sempre inquieto e perturbador, só Altman, com seu rigor crítico, sua competência direcional, poderia realizar um filme tão amargo e atraente ao mesmo tempo como este imperdível "O Exército Inútil", hoje, em duas últimas sessões no Cinema I (15 e 20,30 horas). Legenda Foto: Um filme sério, profundo e cruel sobre o medo da guerra: "O Exército Inútil", só hoje no cinema I.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
13
18/12/1985

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