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Aramis

Um filme surpreendente

Ao lado das superproduções cujo esquema promocional inicia muitos meses antes de ser dado o primeiro rodar de manivela da câmara (embora hoje já não exista mais manivelas, pois as câmaras são automáticas) o que se traduz em sucessos garantidos de bilheteria, há também os filmes de esquemas menos ambiciosos mas que, através da competição em festivais internacionais e boa repercussão junto a crítica chegam precedidos de uma campanha favorável, atraindo ao menos a parcela mais interessada em cinema como manifestação artística. Se "Kin Kong", já se afigura como o grande êxito de bilheteria para 77, "Face to Face", último filme de Bergman, também terá público seguro. Mas existem também filmes que são realizados modestamente, com mínimos esquemas de produção, passam desapercebidos por grande parte da crítica, lançados por distribuidoras independentes, são surpreendentes revelações. Há 4 anos, por exemplo, quando ninguém conhecia Martim Scorcese ("Alice Não Morais Mais Aqui", "Táxi Driver"), era lançado anonimamente, no cine Plaza, o seu primeiro longa-metragem, "Sexy & Marginal" (Boxcar Bertha, 70), talvez o melhor dos seus filmes. O primeiro Francis Ford Coppola, "Meu Filho Agora Você é Um Homem" passou desapercebido em modesto festival da Colúmbia. E outros exemplos poderiam ser lembrados. xxx Apesar de toda a fama de Robert Altman ("Mash", "Nashville" etc.), "Uma Mulher Diferente" (cinema 1, 4 sessões) está nesta categoria que se poderia chamar de "filmes desapercebidos". Produzido no Canadá, com mínimo esquema proporcional, não obteve até agora maiores referências mesmo por parte das mais detalhadas revistas de cinema. Constitui, entretanto, uma gratíssima visão aos que o assistem, revelando uma nova faceta de Altman, hoje sem dúvida um dos cineastas americanos de maior importância. "That cold day in the park" é, antes de mais nada, um filme sobre a solidão humana. Tema que tem desafiado tantos escritores e cineastas, mas que encontra em Altman, aqui, um observador de total sensibilidade: em certos momentos, imagens de outros filmes podem chegar a retina do espectador - "O Colecionador" de William Wyller ou "Jaula Amorosa" de René Clement, mas o roteiro deste "Uma Mulher Diferente" é denso, seguro, único. Sandy Dennis, uma atriz que há 10 anos surgia como revelação na versão cinematográfica de "Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?" de De Albec, e que neste período tem atravessado, incólume, os mais diferentes papéis, num papel que constituí, sem dúvida, um desafio a qualquer atriz: uma jovem solitária, vivendo sozinha, em relativa tranqüilidade financeira, em busca de um encontro com uma juventude que está escapando. Dois enfoques podem ser feitos em relação ao seu comportamento: a neurose progressiva de uma mulher só ou, humanamente, uma mulher a procura de um encontro. Interpretações a parte, "That Col Day In The Park" é um filme em que Altman demonstra sua jamais negada segurança - do humor político (Mash), surrealista (Voar é com Os Pássaros), passando pela western paleolítico ("Onde os Homens São Homens") ou chegando ao documental da América ("Nashville"), aprofunda-se no personagem: um cinema de câmara, confinado em poucos cenários (quase teatrais), exigindo o máximo de interpretação de cada ator e atriz. A fotografia de Lazlo Kovacks faz com que o zoom e o desfoques propositais, as tomadas laterais (atrás da janela, atrás dos vitraux) integrem-se no clima um pouco fantástico e estranho da história proposta - misto de amor & horror, lembrando inclusive o mais hermético dos filmes de Altman - "Imagens", rodado na Irlanda, há 5 anos. "Uma Mulher Diferente" é um filme propositalmente arrastado em seus primeiros 30 minutos. Mas um arrastamento estimulante ao espectador atento, curioso, como num thrilling hitchcookiano, enimaginar qual o andamento, qual o final, que poderá surgir. Produzido em 1969, no Canadá, rodado na cidade de Vancouver, com elenco de nomes praticamente desconhecidos, exceto Sandy Dennis, "Uma Mulher Diferente" é um filme que poderia passar desapercebido. Trata-se, entretanto, de uma obra maior, com extrema segurança direcional, argumento humanamente interessante e principalmente colocando jovens intérpretes em papéis criativos - o jovem Michael Burns, Susane Benton, Luana Andell e, numa curta ponta, John Garfield Júnior, filho do grande ator John Garfield (1913-1952). O compositor Johnny Mandell criou uma trilha sonora nervosa e lírica, integrada a todo o clima deste filme, que lançado numa temporada de vacas magras cinematográficas, é, sem dúvida o primeiro grande filme do ano - com muitos pontos para, dentro de 11 meses, ser lembrado como um dos melhores do ano. P.S. : como na segunda sessão de quinta-feira a freqüência já era pequena, é bom ir assistir logo, antes que a Fama Filmes o substitua por alguma reprise mais comercial.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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29/01/1977

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