Um museu político a toque-de-caixa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de janeiro de 1987
Por uma questão de ética e de bom senso, considerando inclusive a sua própria tradição familiar de filha e neta de ex-governadores do Paraná, a secretária Suzana Maria Munhoz da Rocha Guimarães deveria refletir duas vezes antes de comprometer mais de Cz$ 4 milhões do já reduzido orçamento da Secretaria da Cultura e do Esporte para, a toque-de-caixa, fazer uma reforma de fachada no Palácio São Francisco, exclusivamente para que o governador João Elísio inaugure uma (discutível) "obra" física na área cultural.
De princípio, que fique bem claro: ninguém, em hipótese alguma, é contra o aproveitamento da atual sede do Tribunal Regional Eleitoral para um necessário grande espaço cultural para a cidade. Isto não significa, porém, que se entenda como válida a corrida irracional contra o tempo, que ameaça repetir cenas de comédia pastelão, para tentar fazer em 8 semanas uma obra que, normalmente, exigiria de 6 a 10 meses.
Ainda recentemente a comédia "Um Dia a Casa Cai", de Richard Benjamin (em cujo elenco está um ator, Radu Terner, que viveu alguns anos em Curitiba) mostrou, de forma satírica, as dificuldades de reformar uma velha construção. Assim, achar que um palacete construído há mais de 50 anos (pela família Garmatter) pode ser restaurado em pouco tempo é, no mínimo, ingenuidade. Por mais competência que os arquitetos José La Pastina (representantes da Pró-Memória/MinC, no Paraná) e a assistente, Rosina Coelle, tenham disposição (e recursos) de amopar, não se pode esperar um trabalho com boas condições. Sistemas hidráulicos, fiação, tratamento da madeira exigem cuidadosa revisão e na absurda pressa com que se pretende fazer o trabalho anuncia-se que independente da transferência das 5 zonas eleitorais e serviços gerais do TRE para sua sede própria (um edifício de 6 andares, na Alameda Cabral), a primeira equipe - mais de 40 homens - já se aboletaria no Palácio São Francisco a partir de amanhã.
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Se a pressa em ocupar o Palácio São Francisco, com obras de fachada - a própria secretária Suzana Guimarães admite que das quatro etapas previstas seria executada apenas a primeira, com "reformas" apenas em 500 dos 2.000 metros de área construída - já é discutível e condenável, há outros aspectos igualmente polêmicos.
De princípio, num Estado em que os poucos museus sobrevivem de forma capenga, quando não abandonados inteiramente - caso do Museu do Mate, cujo péssimo estado foi tema de reportagem nacional de televisão há duas semanas - qual o sentido de onerar a já pesada folha de pagamento do Estado com mais um museu -com quadros de pessoal, monitores, assessores e direção, quando o espaço poderia ser bem administrado por uma das unidades já existentes?
Por certo, o governador João Elísio - homem que sempre teve sua vivência na área econômica, sem tempo de freqüentar ambientes culturais - desconhece muitos aspectos da realidade artística no Paraná. Desconhece, por exemplo, a pobreza do acervo do Museu de Arte Contemporânea, a dificuldade de se conseguir fazer aquisições, a falta de pessoal mais preparado (e que portanto deve ser mais bem remunerado), pois, nestes caso não iria conseguir (ou até estimular) que, no final de sua administração, houvesse o comprometimento de recursos para um chamado Museu da Arte Paranaense - que nada mais será do que um apêndice do Museu de Arte Contemporânea, só que com uma cara estrutura, para a qual inclusive já se pensa em nomes e preenchimento de cargos.
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Numa das reuniões em que se discutiu a criação do Museu da Arte Paranaense, o pintor e designer José Humberto Boguszewski, curitibano, 34 anos, presidente em exercício da Associação Profissional dos Artistas Plásticos do Paraná, colocou realisticamente a situação. Falou da importância de que as artes plásticas tenham realmente maiores espaços - possibilitando inclusive a vinda de grandes mostras que não chegam a Curitiba pela falta de locais apropriados (mas também pela inexistência de maior competência nos órgãos oficiais, acomodados e esperando que ofereçam as promoções ao invés de ir buscá-las). Entretanto, José Humberto manifestou sua oposição à constituição de um novo museu, enquanto os atuais são precários em sua estrutura. Infelizmente, as suas palavras não foram ouvidas e na euforia de mostrar trabalhos para inaugurações de final de gestão foi decidido o comprometimento do Palácio São Francisco com o Museu da Arte Paranaense.
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O Museu do Mate, dirigido por uma bióloga chamada Tosca Zamboni, é o exemplo de como o Estado desperdiça seus recursos. Projetado pelo arquiteto Ciro Lyra Corrêa de Oliveira, no aproveitamento de um antigo moinho de erva-mate, movido a água, numa paisagem de cartão postal às margens da BR-277, foi inaugurado há poucos anos. Sem qualquer infra-estrutura capaz de movimentá-lo e totalmente abandonado - conforme as imagens da televisão mostraram nacionalmente - é uma prova da incompetência e desatenção para com a memória cultural. Em qualquer país civilizado, os responsáveis por tal atentado seriam processados e punidos severamente. Aqui, procura-se desculpas, transfere-se responsabilidades (ou irresponsabilidades) e ainda se defende obras de fachada para fins políticos. Realmente, muita coisa tem que mudar.
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