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Aramis

Winter, o jazz que aproxima os homens

Foi há 26 anos. O grande auditório do Teatro Guaíra estava ainda em obras mas já abrigava espetáculos grandiosos - desde que a Sinfônica Brasileira, sob a regência de Eleazar de Carvalho ali havia feito um concerto histórico. Naquele início dos anos 60, o Departamento de Estado destinava generosas verbas para que a Usis - United States Information Service mantivesse ativos escritórios regionais em várias capitais brasileiras. Em Curitiba, graças a este programa, a Usis promovia um programa cultural quase tão intenso como o que hoje o Goethe Institut aqui executa. Até big bands de jazz por aqui passaram, em audições oferecidas a preços simbólicos. Em princípios de 1962, um jovem saxofonista, Paul (Theodore) Winter (Junior), então com 23 anos e que no ano anterior havia ganho o primeiro lugar num festival de jazz em Georgetown, passava pelo Brasil, dentro de um programa que incluiu nada menos que 160 concertos em 61 cidades - não só na América Latina mas também na Ásia. Em Curitiba, Paul Winter o seu grupo - formado por jovens músicos, universitários como ele, fez duas apresentações no Guaíra, uma delas perturbada por garotos que chegaram a jogar pedras no palco, desacostumados com uma proposta sonora nova. O jornalista Júlio Netto, que era o principal assessor de mr. John Parker Lee, diretor local da Usis, teve que chamar reforços policiais, preocupado com a manifestação - que atribui a grupos políticos - já que na época fervilhavam manifestações contra os americanos. xxx O advogado Eduardo Rocha Virmond, antenas sempre ligadas ao melhor jazz, foi um dos curitibanos que mais se entusiasmou com o som que Winter trazia e abriu as portas de sua residência para uma recepção para os músicos americanos. Na época, o jornalista Roberto Mugiatti - hoje editor-chefe da "Manchete", voltava a Curitiba após passar vários anos em Paris, e, como o primeiro profissional de imprensa paranaense a escrever sobre jazz (assunto do qual é um dos maiores expertes no Brasil) organizava a jam-session que um grupo de privilegiados convidados tiveram oportunidade de assistir. Da temporada de Paul Winter e seu sexteto no Brasil surgiriam alguns bons frutos. Carlinhos Lyra, então um dos talentos emergentes da Bossa Nova, viria a gravar com ele dois históricos álbuns na CBS, nunca editados no Brasil (que, agora, Maurício Quadrio, promete lançar dentro de um programa especial, que incluirá também o disco que Maysa gravou em Nova Iorque e que nunca chegou a nós). Nestes últimos 26 anos, Paul Winter atravessou várias fases, viajou pelo mundo e, há anos chegou a fazer um curioso álbum instrumental, com preocupações ecológicas, no qual fundiu até os sons de animais (inclusive uivos de lobos) com seus instrumentos. Através do seu selo Living Music, há oito anos vem gravando não só com seu Paul Winter Consort (álbuns como "Callings" , "Missa Gala/Earth Mass", "Sun Singer" e "Icarus"), mas também estimulando seus instrumentistas, em vôos instrumentistas, em vôos solos - e graças ao qual o brasileiro Oscar Castro Neves, 48 anos a serem completados no próximo dia 15, fez o esplêndido "Oscar!", um álbum que une à sua genialidade de violinista e compositor que se destacou no período da Bossa Nova com toques camerísticos, em duos com órgão, cello e outros instrumentos. Paralelamente, a edição de "Oscar!", a SBK Songs, que um sensível record-man, Antonio Carlos Duncan, vem orientando para o melhor da música (em trilhas sonoras e instrumentistas ou cantores) revela um trabalho interessantíssimo de Paul Winter, na estabilidade de seus 49 anos: "Earthbeat", no qual levou ao auge da política de aproximação cultural entre soviéticos e americanos. Trata-se do primeiro álbum de música originalmente criada e gravada por americanos e russos. Winter, após muitas viagens a União Soviética (percorrendo demoradamente as repúblicas socialistas) ligou-se ao Dimitir Pokrovaky Singers, em Moscou, com o qual fez vários concertos. Num trabalho fundindo a abertura de Winter para novos sons, o Dimitri Porkovsky Singers trazia a música camponesa russa, com temas que tem suas origens até há mil anos passados. No ano passado, no estímulo da chamada era do glasnot, os dois conjuntos finalmente fizeram um disco, juntando a milenar música russa a novas melodias em contraponto, tendo o acompanhamento de instrumentos de percussão. Uma grata surpresa é encontrar as sonoridades do carioca Oscar Castro Neves numa velha canção dos cossacos ("Epic Songs") ou num tradicional tema de Belgorod, sul da Rússia ("Down in Belgrod"). Quem conhece o folclore russo se impressionará com a perfeita comunhão musical entre composições milenares e a criação contemporânea, nas faixas "Steambath", tradicional canção de casamento no norte russo; "The Horse Walked in the Grass", inspirado na cavalaria cossaca ou no afresco religiosos do Kryie, lembrando um ícone pintado por um artista moderno. Nesta viagem do Paul Winter Consort e o Dimitri Pokokovsky Singers há a inusitada aproximação de sax-soprano, do cello, teclados e guitarra dos músicos americanos (e do brasileiro Castro-Neves) com as vozes do mais popular conjunto folclórico da URSS, mais a intervenção movimentada da percussão afro-brasileira. Paul Winter, que chegou a gravar os ruídos naturais do Grand Canyon (num disco que teve indicação ao Grammy ) e também reunir o som das baleias a voz humana, acompanhados do órgão e de seu sax-soprano, fez agora neste "Earthbeat" um disco de comunicação entre as pessoas, que define de forma simples mas total. - "É como ouvir a alma da terra cantando". LEGENDA FOTO: Paulo Winter: um sax criativo no glasnot musical.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/05/1988

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