O modificado som do Carnaval brasileiro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de fevereiro de 1982
Há mais de quinze anos que os registros musicais do Carnaval são melancólicos. A lamúria é sempre a mesma: só se canta as marchinhas e (alguns) sambas do passado, especialmente dos grandes mestres – como Lamartine Babo e João de Barro. Se o inesquecível Lala morreu há 19 anos, o ainda jovem Braguinha, em seus lúcidos, 74 anos, comparece com sua marchinha “Raminho de Café”, com vistas a próxima Copa do Mundo e esperanças de repetir aquilo que aconteceu em 1950, quando Maracanã cantou: “Touradas em Madrid”, no momento em que a equipe do Brasil dava o “olé” na seleção espanhola.
O que se ouvirá nos bailes carnavalescos neste ano? Os grandes sucessos dos anos 30 a 60, obviamente – embora uma Beth Carvalho com “Virada”, Moraes Moreira com “As 4 curtições” e, especialmente, Gal Costa (“Festa do Interior” e “Massa Real”), possam serem destaques – enriquecendo a arrecadação que o implacável ECAD promete ser das mais rigorosas em todos os locais públicos.
Este ano, numa boa idéia da diretora-executiva da Fundação Cultural, Lucia Camargo, uma seleção de 10 horas da melhor música carnavalesca estará sendo divulgada em toda a Marechal Deodoro – pelo equipamento da Cash-Box – que deverá enviar os problemas de microfonia e interferências estranhas que, em anos anteriores, tanto prejudicaram o nosso Carnaval de rua.
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Pela segunda vez a secretaria da Cultura editou o compacto duplo com as músicas vencedoras do festival “Abre-Alas” – promovendo assim os autores de Curitiba que se animaram a fazer musicas carnavalescas, nesta promoção idealizada pelo locutor-produtor Cláudio Ribeiro, também contratado pela Prefeitura para ser o animador oficial no desfile de hoje a noite – enquanto a bela e efusiante Lea Kissemberg, amanha à tarde, estará conduzindo o concurso popular de fantasias infantis.
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Voltando-se a falar da música carnavalesca, propriamente dita, pode-se dizer que muito pouco do que foi lançado – 14 LPs e 12 compactos, aparecidos a partir de dezembro – teve promoção local – restrito mais ao Rio de Janeiro, São Paulo e, especialmente a Bahia – ainda com maior marketing. Assim a antologia “Oh! As Marchinhas” (Continental) com uma tiragem inicial de 4.500 cópias, com exceção da “Marcha do Desemprego” e “Exu”, (Deixa Pra Lá”), assuntos de atualidade, tem o básico ainda em sátiras de duplo sentido e a insinuação maliciosa (“Flordovil”, “Rapaz Solteiro”, “Bo Francineide”, “Vaquinha Bela”). Como bamacentuou o crítico Tarik de Souza, a constante é o recurso as citação de refrões conhecidos. Outra tendência do carnaval 82 é a exaltação rubro-negra pelo campeonato mundial conquistado – com Elza Soares (“Grito da Galera”), Nandinho da Ilha (“Flamengo, Campeão”) e a regravação do “Hino do Flamengo” por Carmen Costa. O futebol está presente além de “Raminho de Café”, de João de Barro, também no eterno hino “Pra Frente, Brasil”, atualizado pela mulher do autor, Miguel Gustavo (Werneck de Sousa Martins, !922-1972), a radialista Sagramor de Scuvero.
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A força das marchinhas dos anos de ouro da música carnavalesca sente-se em “Com Amor, Com Humor, Pierrôs & Colombianas” (Sigla/Som Livre), realizado por Sidney Moraes (Santo Morales), que num flash-back reuniu o que foi feito de melhor na música carnavalesca – de “Confeti” (David Nasser/J. Junior) a “Noite dos Mascarados” (Chico Buarque). As novas características da música carnavalesca – os sambas-de-enredo das escolas do Rio de Janeiro (e agora também de São Paulo, numa edição de Copacabana) bem como os discos com trios Elétricos, lançados pela WEA e Ariola, mostram que a música da grande festa adquire um sentido mais forte – eletrizante. Nas escolas de samba do Rio de Janeiro – sem dúvida, a atração maior da festa – há homenagems à gente do MPB como Luiz Gonzaga, Mário Reis, Braginha e Clementina de Jesus, temas escolhidos pelas escolas do segundo grupo. Dos dói elepês lançados pela Top Tape (e que não tiveram a menor promoção local), “Bum Bum Paticumbum Prugrundum” (Beto-Sem Braço e Aluísio Malhado), da Império Serrano, tem sido a mais catituada no Rio de Janeiro – rmbora o samba de outro Império – o da Tijuca, que se voltou ao Paraná (Iara e Pinhão na Terra da Gralha Azul”), de Jorge Melodia, também esteja sendo bem divulgada.
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Só uma única vez – no Carnaval de 1972 – os curitibanos conheceram o Trio Elétrico. Foi quando o Trio Elétrico Tapajós – hoje ganhando espaço com um lp (Ariola), veio a Curitiba e tentou fazer os foliões saírem atrás de seu ensurdecedor som. Só que a nossa Policia Militar, desacostumada com o estilo baiano do povo brincar, desceu a lenha nos mais animados – num desnecessário “cordão de isolamento” para o Trio Elétrico Tapajós passar, solitariamente, pelas ruas da cidade, hoje, o Trio elétrico – invenção dos baianos Dodo e Osmar, no carnaval de 1052 em Salvador – multiplicaram-se: os filhos de Osmar, Armandinho e Tapajós, mantém a tradição do mais famoso, embora outros estejam aparecendo: este ano saíram discos do Trio Elétrico de Trás dos Montes e dos, até agora anônimos, Torantins e Brilhaê.
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Se os eternos “hino do Carnaval Brasileiro” (1939) de Lamartine Babo e “As Pastorinhas” (Noel Rosa/João de Barro), além de tantos outros clássicos emocionam ainda ao serem executados nos salões, o Carnaval – em sua música, mudou de característica. E tanto mudou que se no passado as diversas sociedades arrecadoras fizeram circular volumosos catálogos com partituras das centenas de marchas e sambas que apareciam em cada ano ano, hoje o máximo que a ECAD faz é distribuir as partituras dos sucessos do passado – acopladas as músicas lançadas no meio-do-ano e que, inesperadamente, podem acontecer no reinado de Momo – como a “Festa do Interior” ou “Virada” – candidatas a serem das mais executadas a partir de hoje, Brasil afora.
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