Bruno, ontem como hoje
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 31 de outubro de 1975
Até onde uma estória ambientada no século XV pode ser atual e interessar ao espectador do ano se 1975, como discussão de problemas contemporâneos? Uma interessante resposta a esta questão é assistir a "Giordano Bruno" (cine Condor) uma obra vigorosa em todos os aspectos. Como vários de seus colegas (Elio Petri, Mário Monicelli, Nani Loy etc.) preocupado em levar à tela temas políticos, inquietantes, Giuliano Montaldo teve seu primeiro longa-metragem ("Sacco & Vanzetti") retirado dos circuitos comerciais do Brasil, mas este "Giordano Bruno" mostra toda sua visão lúcida e consciente, fazendo-o um dos mais importantes cineastas italianos de nossos dias.
"Giordano Bruno" é um filme de tese, polêmico, sincero e agressivo até, na proporção em que o espectador o veja. E, entretanto, uma obra cinematográfica de primeiro nível, em que um homem e suas idéias, o pensador e escritor Giordano Bruno (Nola, reino de [Nápoles] - 1548 - Roma - 1660) é colocado em questão, perante a intolerância, a cegueira e os interesse do Poder - no caso a Santa Inquisição Romana. Dominicano que abandonou o hábito por descrer da Igreja em sua época, Bruno esteve em Toulouse, Paris, Londres, Wittemberg, Praga e Frankfurt, mas sempre perseguido e incomodado por difundir idéias contrárias ao establishment, aos senhores do poder. Refugiado em Veneza, é traido por um patrício, Giovanni Mocenigo, e após julgado pela Inquisição Veneziana, é entregue, por razões políticas e econômicas a Roma, onde, acaba sendo condenado e levado a fogueira. Sem panfletarismo, julgando apenas o homem e sua consciência, Montaldo coloca os personagens dentro de suas posições, sabendo ver em cada um a verdade em que crê. Assim, o Papa Clemente VIII (Ippolito Aldobrandini, 1536-1605, Sumo Pontífice entre 1592/1605) é mostrado em suas incertezas e busca da justiça, mas também pressionado pelos interesses do clero.
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Se não fosse apenas um filme de imenso vigor em seu tema, na coragem e sinceridade de seus diálogos, "Giordano Bruno" valeria também como obra de imensa beleza plástica. A fotografia de Vittorio Storaro captou com perfeição os cenários naturais de Veneza, além dos interiores extraordinariamente escolhidos (ou criador) por Franco Vanorio, sem dúvida num dos melhores trabalhos já vistos no cinema em todos os tempos. A trilha sonora de Enfio Morricone vem confirmar que o maestro italiano é um autor de imensa força, cujo talento vai muito mais além das baladas para os bang-bang spaghetti de [Sérgio] Leone e outros. E Gian Maria Volante, no personagem-título, tem mais uma soberba interpretação, dando a cada momento, a cada take, um significado especial. Os demais intérpretes, também ótimos, são desconhecidos do público brasileiro: Christian Blech como "Sartori", Mathieu Carriere como "Orsini", Mark Burns como "Bellarmino", Renato Scarpa como "Fra Tragagliolo" e a bela Charlotte Rampling como "Fosca".
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Muitos filmes bons foram lançados este ano em Curitiba. Mas "Giordano Bruno" está entre os melhores, mais sérios e importantes já realizados por esta usina de imagens coloridas - que não é apenas de sonhos e fantasias, mas também de realidades e verdades.
LEGENDA FOTO - Volonté
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