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Aramis

Chico Viola, Orlando, Carmen e muitas outras vozes eternas

De certa forma, cada uma das etiquetas que se especializaram em reedições históricas refletem um pouco das preferências e visão de marketing de seus proprietários - colecionadores e profundos conhecedores da música brasileira do passado. Assim, o pernambucano Leon Barg, 60 anos, desde 1950 radicado em Curitiba, dono de uma das maiores coleções de 78 rpm do país, tem procurado editar não apenas os nomes consagrados, capazes de garantir vendas certas, mas mesclá-los com cantores(as) que não chegando a era do elepê, interrompendo suas carreiras ainda jovens (especialmente as mulheres), permaneciam totalmente esquecidas, se não fosse essa "alquimia" de reunir num dos elepês nomes consagrados a outros que só os mais velhos e reais conhecedores de nossa MPB localizam. Já Francisco Almeida Aguiar, proprietário de uma das maiores cadeias de lojas de discos (a Moto Discos) do Rio de Janeiro - e nas quais sempre reservou espaço aos discos usados vem, geralmente, com ajuda de seu amigo Jorge Scofano, reeditando gravações que anteriormente foram lançadas pela RCA (hoje BMG/Ariola), num período em que aquela fábrica deu atenção ao nosso cancioneiro. Neste campo, destaca-se a excelente série "Reminiscências", já em seu volume oito. Já a coleção "Os Grandes Carnavais" não se restringe apenas ao acervo da RCA, mas inclui também preciosidades da mais antiga fábrica do país - a Odeon - e também da Continental. Assim como a Revivendo já colocou quatro CDs na praça (e Leon Barg tem programado mais uma dezena para os próximos meses), a Moto Discos já tem cinco CDs, produzidos a partir de matrizes da Odeon: "Francisco Alves e a Canção do Expedicionário", "Grandes Carnavais do Passado" (dois volumes), "Eles e Elas na Velha Guarda" e "Os Grandes Tangos" - com Dalva de Oliveira e Francisco Alves. Francisco Alves (1898-1952), em sua condição de "Rei da Voz" é, ao lado de Orlando Silva (1915-1978), o "Cantor das Multidões", o nome de maior presença nos discos reeditados - sendo também o primeiro a merecer CDs lançados pela Revivendo e Moto Discos. Cinco dos 60 títulos da Moto Discos já foram dedicados ao grande intérprete, vozeirão inigualável que marcou por mais de vinte anos de nossa melhor música popular. Entre os lançamentos com Francisco Alves da Moto Discos, um dos mais emotivos é "Uma Tarde do Dia 27 de Setembro de 1952" - a data em que, retornando de São Paulo, Chico Alves sofreu o acidente fatal na Via Dutra. Na capa do disco, ao lado de sua foto, as imagens de São Cosme e Damião - os santos daquele dia e que, curiosamente, sempre marcaram uma das preocupações filantrópicas do "Rei da Voz": shows para crianças, com distribuição de balas, doces, brinquedos e roupas. O repertório deste álbum inclui 14 gravações no período de 1939/41, entre as quais standards como "A Dama das Camélias 2", a versão que João de Barro e Alberto Ribeiro fizeram para "Valsa da Despedida" com Chico em dueto com Dalva de Oliveira, também presente nas faixas "Acorda Estella" (Herivelto Martins / Benedito Lacerda) e o ufanista "Brasil" (Benedito Lacerda / Aldo Cabral). Dalva de Oliveira (1917-1972), que entre as cantoras está também com mais de uma dezena de elepês reeditados (incluindo o excelente álbum duplo no qual interpreta marcha-ranchos, editado pela Revivendo), divide com Chico "Os Grandes Tangos". Na contracapa, o radialista e pesquisador Jonas Vieira salienta a identificação que tanto Alves como Dalva tiveram com a música argentina, trazendo para o Brasil, em inspiradas versões (de Guaironi, Lourival Fissal, Haroldo Barbosa e outros), alguns dos maiores sucessos portenhos como "Fumando Espero", "Onde Estás Coração", "Adeus Pampa Minha", "Uno" e "Percal". Contrapondo-se a sambas dor-de-cotovelo, tangos e outros ritmos que se pode classificar de dramáticos que faziam o repertório de Dalva - e também, para que negar, do Chico Alves - capturar emoções do Norte a Sul, a brejeirice e alegria dos sambas e marchinhas que fizeram de Carmen Miranda (1909-1055) a "número um" da música brasileira a triunfar nos Estados Unidos com seus balangandãs, trajes de baianas, ritmo e a bossa do sempre fiel Bando da Lua que a acompanhou até a sua morte. Carmen foi a primeira das cantoras da época de ouro a ganhar edição em CD pela Revivendo, num lançamento que chegando às lojas há apenas três meses, já alcançou um ponto de vendas que estimula Leon Barg a programar novas edições e que o canto tão personalíssimo da "Pequena Notável" ganha a dimensão do lazer para alegria de seus milhares de fãs - pois, 36 anos após a sua morte, ela continua a justificar estudos e livros. Além da presença de Carmen em grande parte das coletâneas carnavalescas, de reminiscências e dos álbuns coletivos das diversas etiquetas, pela Moto Discos temos Carmen ao lado de sua irmã, Aurora (Rio de Janeiro, 15/04/1915), em dois álbuns: um deles à disposição também em CD - com belíssimas capas (da coleção de fotos cedidas por Roberto Gambardella, pesquisador e colecionador paulista), e reunindo interpretações em dupla das irmãs de Carmen com notáveis parcerias vocais - como "No Tabuleiro da Baiana", na gravação de setembro de 1936, com a participação de Luiz Barbosa e o conjunto de Luperce Miranda, ou em "O que É que a Baiana Tem?", ao lado do próprio autor Dorival Caymmi, num registro de 1939. Dispensável - inclusive por uma questão de espaço - esmiuçar o repertório destas produções, pois representando montagem de preciosas gravações em 78 rpm, registradas nos anos 30/40, constituem visões panorâmicas (e evolutivas) de nossa música popular.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
14/04/1991

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