Chico Xavier e a música Umbanda
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de outubro de 1974
A indústria fonográfica é uma prova de que as coisas não vão tão mal assim em termos financeiros para o povo. Basta percorrer as lojas de discos mais modestas - como o Rei do Disco, na Rua Desembargador Wetphalen, para ver o número de pessoas humildes que diariamente ali deixam Cr$ 45,00 por cada disco de música sertaneja ou cantores classe "c" e "d", que tem seu sucesso assegurado graças ao entusiasmo de consumidores de poucos recursos que, sacrificando muitas vezes o orçamento familiar, não deixam de comprar os discos de seus "ídolos". E, este aspecto sociológico da fonografia merecia um estudo de profundidade, independente dos aspectos artísticos. O que justifica o registro de certos lançamentos, os quais a crítica mais rigorosa simplesmente ignoraria.
A Continental, que ao lado de suas produções destinadas ao público mais sofisticado, tem um catálogo sertanejo, editou um lp chamado "Falando de Perto aos Corações" (1-07-405-026, Fevereiro/75) destacando, em letras grandes, o nome do cantor: CHICO XAVIER. Pelo nome do intérprete e da gravação, podem muitos até pensar que se trate de um elepê em que o famoso médium mineiro Francisco Cândido Xavier está transmitindo suas belas mensagens espíritas de paz e amor. Mas não é nada disso: o Chico Xavier do caso é um cantor-compositor limitadíssimo, com músicas de apelo popularesco, que talvez vendam bastante, mas que não resistem a menor apreciação artística. Ramalho Neto, record-man de passado respeitável na RCA Victor, autor inclusive do "Historinha do Desafinado" (Vechi, 1965), honesta tentativa de contar o surgimento da Bossa Nova, não só produziu este disco, como é autor de uma das faixas: "Eu Prometi Que Voltaria". O próprio Chico, em parceria com um anônimo Nem, é autor de coisas como "Cesteiro Que Faz Um Cêsto", "O Pão", "A Pessoa do Retrato", "Pelo Amor de Deus", "Se Eu Soubesse Não Vinha", "O Amor Que Eu Quero Ganhar", "Teu Pai Me Odeia", "Quem é, Quem é, Quem é". Sem maiores comentários.
Já a CBS edita um lp destinado mesmo ao crescente público freqüentador de tendas de Umbanda: "Saravá: Volume 2" (Tropicana, 01310, Fevereiro/75), com o subtítulo "Umabanda é Paz e Amor" e interpretação de uma anônima cantora de pontos umbandistas chamada Maria Bonita. Considerando que só em Curitiba aparecem uma média de 10 novas tendas de Umbanda por mês, conforme informa o sr. José Maria Bittencourt, presidente da Confederação Umbandista do Paraná (Rua Tobias de Macedo, 111, sala 2), não é de estranhar que discos destes gêneros tenham um mercado seguríssimo. Aliás, são muitas as gravadoras que já tem editado lps com músicas de Umbanda - até a Odeom, há 3 anos, quando o famoso "Sete de Lira" (dona Cacilda de Assis) quase provocou as suspensões dos programas de Flávio Cavalcanti, Silvio Santos e Chacrinha, por sua retumbante apresentação ao vivo naquelas audições, na época apresentadas aos domingos, pelas três grandes redes de televisão do País - também fez um lp com o "Cabloco Sete da Lira". Dentro da música umbandista, existe um material a ser pesquisado e que poderia inclusive resultar num lp (ou até numa série) documental, de interesse sociológico. Mas para isso haveria necessidade de uma produção cuidadosa, a cargo de um profissional a nível de Pelão - responsável por alguns dos melhores discos de Marcus Pereira, e não o incompleto trabalho de Roberto Stanganelli, que aparece não apenas como diretor artístico deste "Saravá Volume 2", mas inclusive assinando uma das músicas (em parceria com Ari Guardião): "Encha O Coração de Fé". O mais grave deste disco é a ausência de qualquer informação sobre a [intérprete], o tipo de música ou os autores - já que todas as músicas são identificadas, quando os autênticos "Pontos de Umbanda" são de autores desconhecidos - integrados ao folclore. A CBS perdeu a oportunidade de fazer um disco importante em termos de documentação religiosa - mas poderá corrigir isso no prosseguimento da série, o que com toda certeza haverá.
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