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Aramis

Da Amazônia aos Pampas, o canto inédito dos poetas

Guitarreando a tradição crioula O pássaro bagual de topete colorado escolheu para cancha a última forguilha de umbu esguaritado da tapera carquincha Deu para entender? Se não deu, não se envergonhe! A beleza da poesia de "Umbu de Tapera" de Juca Ruivo (José Leal Filho, 1902-1972) é um desafio para quem não nasceu e viveu no interior do Rio Grande do Sul. Só tendo às mãos o "Dicionário de Regionalismos do RS", de Zeno e Rui Cardoso Nunes (Martins Editor, 1982) é possível traduzir tantos temas regionais. Como Juca Ruivo, dezenas de outros grandes trovadores e poetas dos pampas parecem falar um outro idioma em suas imagens regionalistas. Isto faz com que a rica literatura gaúcha fique restrita aos limites daquele Estado, perdendo-se, assim, de se conhecer um pouco mais do Brasil do extremo Sul. Limitação esta que também chega à música nativista - cujas letras repletas de termos regionalistas ficam com sua comunicação, tantas vezes restrita. Viaje-se quase 4 mil quilômetros e na Amazônia encontramos um "Romance das Icamiabas" no qual o poeta João de Jesus Paes Loureiro, 44 anos, diz: Na Nhamundá - em suas margens Moravam as Icamiabas Guerreiras de lua e canela tanto mais belas que bravas. Dos pampas à floresta amazônica, neste imenso Brasil - com "S" - os poetas falam de seus mitos, seus valores, suas linguagens. Neste Brasil reduzido hoje a uma aldeia global em comunicação na qual as imagens via satélite eliminam os sotaques nos meios de comunicação e que a leitura de uma revista (como "Bizz", por exemplo), traz as mais quentes informações up to date dos modismos da música, cinema, teatro, moda, culinária e comportamento de Londres, Nova Iorque ou Paris - ainda somos um território desconhecido em termos culturais. Quem, por exemplo, já ouviu falar de Sebastião Fonseca de Oliveira? Ou quem conhece a poesia de João de Jesus Paes? Dois, entre tantos e tantos poetas brasileiros que fazem uma resistência cultural, à sua maneira, cantando os valores, os homens, os amores, a terra em que vivem. O CANTO DO SUL - Negras barbas cerradas, quase 1,90 de altura, trajes típicos, sempre segurando uma cuia de chimarrão, Sebastião Fonseca de Oliveira, 31 anos, é o típico gauchão: excelente aparência física, voz forte e trovejante. No luxuoso hotel Azul, em Gramado - sede do mais importante festival do cinema brasileiro - Sebastião é dono de uma loja de artigos típicos gaúchos. Atende aos turistas e só os mais atentos notam, numa das vitrines, alguns discos de música e poesia gauchesca: "Memória dos Bardos e das Ramadas", "Chimarrão da Madrugada" e "Raízes Cravadas Bem Fundo". Álbuns de capa dupla, ilustrações coloridas, capas muito bem idealizadas. Modestamente, Sebastião demora a identificar-se como o intérprete destes três discos. Declamador apaixonado pelo seu Estado, Sebastião realiza há anos um belíssimo trabalho de resgate cultural da poética dos Pampas. Em seus discos estão os principais nomes da poesia gauchesca. No entender do jornalista Juarez Fonseca, o mais importante comunicador da área musical do Rio Grande do Sul, do jornal "Zero Hora", este tem sido o seu grande mérito: de registrar, de manter acesa a chama da declamação, de guardar em discos os versos para o presente e para o futuro. Num trabalho independente, feito às suas próprias custas, Sebastião tem ido buscar as memórias das payadas quixotescas, de andarengos, malevas, chimarritas, dos menestréis de trovas não escritas, dos cancioneiros de romance e adata - como nos poemas, chotes e milongas que já em 1979 reunia em "Memórias dos Bardos e das Ramadas". Buscando registrar em discos a melhor poesia de trovadores como Aureliano de Figueiredo Pinto (1898-1959) (1), Balbino Marques da Rocha, Apparício Silva Rillo (2), João da Cunha Vargas, Telmo de Lima Freitas (3) e tantos outros. Sebastião Fonseca de Oliveira faz documentos sonoros da alma, dos sentimentos e da poesia gauchesca. Faz mais: em seu mais recente álbum - "Raízes Cravadas Bem Fundo", gravado entre fevereiro/março de 1983 - mais uma vez se preocupou em fazer uma maior aproximação da música e poética do Cone Sul, trazendo para participar das gravações três nomes do canto popular uruguaio: Eduardo Larbanois, Mário Carrero e Washington Benevides. Anteriormente, já havia convocado dois artistas argentinos, igualmente significativos: Raulito Barboza e Bartolomé Parlermo. Sebastião sempre procurou o intercâmbio, sendo, como diz seu amigo Juarez Machado, um verdadeiro "contrabandista" da cultura - graças a quem, artistas da Argentina e Uruguai têm vindo gravar no Rio Grande do Sul. Em seus álbuns - especialmente em "Raízes Cravadas Bem Fundo" - alternam-se poemas de autores gaúchos - como Juca Ruivo, Figueiredo Pinto, Telmo de Lima Freitas - com uruguaios como Aquiles Fabregat/ Mário Carreno ("De arriba parece igual"), Adela Gleijer/ Eduardo Larbanois ("Los Años Por Venir"), Ruben Lena ("Prudêncio Correa"), ou Anibal Sampayo ("Peoncito Del Mandiocal"), interpretados em versões para o português ou em espanhol. Não é fácil, naturalmente, numa primeira audição, absorver toda a carga poética dos trovadores e poetas gauchescos que Sebastião Fonseca de Oliveira interpreta. Mas é importante que este jovem declamador, num trabalho independente e idealístico, perpétuo, em seus álbuns - e também em seus shows - a cultura e os sentimentos da alma do homem do Sul - num resgate de uma cultura que os tempos modernos vão fazendo desaparecer. Notas (1) Médico e poeta, Aureliano de Figueiredo Pinto deixou uma grande obra de raízes nativistas. Em 1978, o compositor é intérprete missionero. Noel Guarany fez um lp (Premier/RGE), dedicado à obra de Figueiredo Pinto. (2) Apparício Silva Rillo é parceiro de várias músicas gaúchas, vencedor de inúmeros festivais nativistas realizados no Rio Grande do Sul. Fundador do grupo Os Anhangüeras, de Bagé, idealizador do folclórico "Festival da Barranca", tem vários livros publicados, de poemas e a série "Raspo de Tacho", 3 volumes, que no Rio Grande do Sul vendeu, pelas edições Tchê!, tanto quanto os livros de Luís Fernando Verissimo. (3) Excelente compositor, violonista e poeta, Telmo de Lima Freitas é nome maior da música nativista. Venceu inúmeros festivais, tem dezenas de composições gravadas por vários intérpretes e, há três anos, fez um lp pela Polygram.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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23/02/1986

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