Equilíbrio comercial no festival de jazz
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de abril de 1980
O encerramento do II Festival Internacional de Jazz, um autêntico carnaval ao som do Trio Elétrico, foi quase no amanhecer de ontem, segunda-feira. Bastante sintomático nesta promoção que envolveu esforços diretos de uma equipe de 30 pessoas durante sete meses e nas últimas 3 semanas, cerca de 500 outras. O espetáculo da noite, abrindo com o pianista, e cantor de "blues" Champion Jack Dupree, 69 anos, prosseguindo com a maravilhosa pianista Mary Lou Willians, 70 anos - a serem completados no próximo dia 8 de maio, e o quarteto de Phil Woods, 49 anos, foram 200 minutos do melhor jazz, em suas formas mais tradicionais. Mary Lou Willians, uma pianista de rara sensibilidade, mas que apesar de toda sua imensa carreira não tem um único elepê editado no Brasil (a Polygram havia programado lançar um de seus discos nesta semana, mas como deixou de representar a Pablo Records, de Norman Granz, possivelmente o lp não saíra), chegou a fazer uma espécie de "Jazz History" ao piano, dando exemplos de Spirituals, Rag-Time, Kansas City Style, Boogie-Woogie, e chegando, depois, a clássicos como "Green Dolphy In Street" (Bronislau Kapper), "Over the rainbow (Harburg, que em 1939 Judy Garland imortalizou no filme "O Mágico de Oz") e "A grand night for swinging". Inicialmente somente ao piano, depois acompanhada pelo baixista Milton Suggs, Mary Lou Willians emocionou o público, dando um complemento ao clima de "blues", com toda sua força, que abriu o espetáculo, e onde, inesperadamente, Claude Nobs, diretor do Festival de Jazz de Montreaux - e também consultor do FIJ - SP - mostoru ser um executante de harmônica, sem o virtuosismo de um "Toots" Thielemans ou do nosso Maurício Einhorn, mas sem comprometer.
Se os "blues" e o pinano de Dupree traziam o jazz de suas origens, margens do Mississipi, num clima entre o humor e a dor, e Mary Lou Wilians transmitiu toda a maravilha e potencialidades de um instrumento - solo, a possibilidade seguinte foi de se ouvir o jazz instrumental, mais moderno, altamente virtuoso do quarteto de Phil Woods (sax-alto), Mike Melillo (piano), Steve Gilmore (baixo) e Bil Goodwin (bateria). Iniciando com um tema de Horace Silver ("Nica's dream") - pianista que há 5 anos fez um concerto, com mínimo de público, no auditório da Reitoria, e prosseguindo com um clássico dos mais conhecidos, "Body na Soul" (Green - Heyman - Sour) e encerrando com o contemporâneo "Lil'Darling" (Neil Hefti), a "Performances" deste quarteto provocou que se repetisse a pergunta: Como pode um grupo tão inventivo e criativo, não ter um único lp editado no Brasil, quando nos EUA, pela RCA, dispõe de ampla discografia ?
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O encerramento desta primeira parte do programa foi classificado pelos jazzófilos como o "Fim do Festival" pois o programa seguinte - e que fez 89%5555 das 4.500 pessoas que superlotavam o auditório do Anhembi vibrarem - foi uma sucessão de um som elétrico, provocante, mas que para muitos não se justificava no festival: A Cor do Som, Armandinho e o Trio Elétrico Dodô e Osmar (com a participação de Moraes Moreira) e o jamaicano Peter Tosh com seu grupo, trouxeram todo um clima de som da pesada ao festival. Os telefones da sala de imprensa do anhembi, onde uma equipe de excelentes profissionais, coordenada pelo jornalista Demetrio Costa, procurou facilitar o máximo o trabalho dos que cobriam o festival, passaram a tilintar a partir da meia-noite. Dezenas de pssoas, que acompanhavam pela televisão - perfeita aliás, a transmissão da TV-Cultura, de todas as quatro noites do festival, não entendiam por que, após um jazz como o apresentado por dupree, Mary Willians e Phil Woods, surgia o som elétrico da Cor do Som, Trio Elétrico e o reggae de Petr Tosh. Aliás, esta questão foi um dos pontos levantados durante todo o festival: quais os critérios que levaram o diretor musical, José Eduardo Homem de Mello, a alternar o jazz em seu sentido tradicional, com músicos jovens, de correntes muito mais próximas ao rock-reggae, enquanto nomes como Victor Assis Brasil (talvez o único instrumentista brasileio que não abre mão de se dedicar apenas ao jazz em nosso País) ou o pioneiro Dick Farney não estavam na programação? Ppaar "Zuza" - como é conhecido Homem de Mello, home de múltiplas atvidades na área musical, "o que houve foi a preocupação de reunir instrumentistas criativos, talentosos, capazes de mostrar caminhos da música que se faz com energia". Victor não teria sido convidado porque uma das preocupações dos organizadores foi de não repetir os músicos que estiveram no I FIJ (setembro/78), embora Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal, grandes estrelas naquela promoçãoo, voltassem, agora, ainda com maior intensidade e vibração. Já Dick Farney seria homenageado especial na noite de encerramento, mas recusou alegando que havia assinado um contrato para se apresentar num clube em Florianópolis, na noite de domingo, 27. Para um cantor e pianista que desde suas gravações de vocalista romântico com um trabalho jazzístico, ao estilo de seu ídolo Dave Brubeck, não deixa de ser uma desculpa bastante estranha!
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No sábado, 26, após sua brilhante atuação no espetáculo da tarde, Egberto Gismonti, tecladista, violonista, flautista - hoje um dos instrumentistas-compositores brasileiros de maior prestígio no Exterior, falando para alguns jornalistas, no bar dos músicos, no Anhembi, explicava que, "jazz, atualmente, é toda música que não consegue ter uma rotulação tradicional". Ou seja, para ele, pianista de formação clássica, hoje apresentando uma média de 100 concertos anuais no Exterior (retornou dia 18 de temporada no Japão e em junho/julho vai novamente à Europa, após percorrer algumas cidades brasileiras, incluindo Curitiba), a direção do Festival de São Paulo "agiu corretamente", abrindo a programação a que músicos brasileiros jovens, de diferentes tendências e estilos, fizessem suas apresentações - não apenas no auditório principal, mas nos 8 concertos alternativos, nos auditórios laterais, onde se ouviu desde o virtuosismo do trio de violões Dd'Alma, até propostas inquietantes como da chamada "Orquestra Azul".
Roberto Murlahert, jornalista, executivo, diretor-geral [deste] II Festival (como foi do primeiro) e que também vai organizar o Rio-Montreaux Jazz Festival (Rio-Centro, agosto/80), lembra uma frase que Louis Armstrong (1900-1971) disse quando passou pelo Brasil, em 1957: "jazz é tudo aquilo que se pode acompanhar batendo o pé". Além do mais, em termos de "marketing", dificilmente os ingressos - de Cr$ 150,00 a Cr$4 700,00 por espetáculo - teriam se esgotado já no início da semana passada, adquiridos principalmente por jovens, se nomes como B.B. King, Spyro Gyra e Peter Ttosh, entre as atrações internacionais, e brasileiros como Pepeu, A Cor do Som, Armandinho e o Trio Elétrico, Morais Moreira não tivessem também sido programados. E graças a este equilíbrio mercadológico-musical foi que se tornou possível reduzir dos Cr$ 12 milhões orçamentários, previstos pelas Secretarias de Cultura/Estado e Município, para cobrir todos os gastos do festival, para apenas Cr$ 9 milhões - havendo um possível saldo de Cr$ 3 milhões, que a Fundação Padre Anchieta-Centro Paulista de Rádio e TV Educativa poderá reaplicar em outras promoções. E isto custanto o festival aproximadamente Cr$ 15 milhões. É isto custando o festival aproximadamente Cr$ 15 milhões. É que os ingressos representaram cerca de Cr$ 7 milhões (até a madrugada de domingo não havia dados precisos da contabilidade), ao qual se soma mais Cr$ 1 milhão, arrecadados pela venda de espaços da Fenajazz - estandes de fábricas de instrumentos, gravadoras, etc., "merchandising" de camisas, "botões", cartazes (Cr$ 50,00 a unidade) etc. Enfim, o II Festival de jazz provou a existência de um público interessado em eventos musicais, capaz de cobrir grande parte do investimento. Ao mesmo tempo - e como uma compensação artística - na programação se tornou possível particamente "apresentar" no Brasil nomes da maior importância musical-cultural, com carreiras de muitos anos, mas totalmente desconhecidos, pela inexistência de suas gravações (ou pouca divulgação às mesmas) em noss País. Betty Cartes, 50 anos - a serem completados dia 17 de maio - uma cantora extraordinária, com um "swing" que poucas possuem, foi a grande presença na noite de sábado, assim como na quinta-feira o público pôde conhecer o quinteto do jovem Woody Shaw (de quem, agora a CBS está lançando um primeiro Lp) e na quinta-feira se ouviu o tão falado sopro de Dexter Gordon, 56 anos, mais de 30 de carreiar, mas que por razões diversas era, até agora, um ilustre desconhedido no Brasil. Sse falar nas acimas referidas Mary Lou Willians, Jack Dupree e o quarteto de Phil Woods, que encerraram o festival.
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Por outro lado, o festival propiciou a vinda de "Toots" Thiellemans, um dos poucos executantes de harmônica de boca no mundo (além de guitarrista), que, em dueto com Maurício Einhorn, foi a sensação no primeiro dia. O guitarrista, Joe Pass, numa viagem atribulada - chegou com atraso de 10 horas e teve que vir de helicóptero, diretamente de Viracopos para o Anhembi, onde, na tarde de sexta-feira, às 17 horas, entrava no palco, à noite, fez um inesquecível ddueto com o brasileiro Helio Delmiro (de quem, agora, a Odeon está lançando seu primeiro Lp). Em compensação, Barney kessel a figura mais antipática e problemática do festival, recusou a se apresentar à noite, possivelmente por "ciúmes" dos aplausos e elogios que Ppass merecidamente vem acumulando em todas suas apresentações.
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