A era do vídeo faz o cinema renascer
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de janeiro de 1988
O cinema readquire sua magia. A indústria do star system é recolocada como notícia e a usina dos sonhos - que foi a definição dada pelo russo Ilya Ehrenburgh ao visitar Hollywood nos anos 30 - ainda (re)existe. Mas como?
Cinemas fechando, bilheterias pequenas em tantas produções nas quais se depositam(vam) esperanças, a produção autônoma substituindo definitivamente os grandes estúdios...
Entretanto, o cinema renasce. As revistas especializadas sofisticam-se cada vez mais, livros sobre diretores, atores e até técnicos, vendem milhares de cópias - e começam a ter traduções (honestas) no Brasil e a grande (e pequena) imprensa abre espaços cada vez mais generosos para os filmes, seus astros e - o que não acontecia até os anos 70 - seus realizadores.
O vídeo trouxe um renascimento do cinema. A possibilidade de escolher (e guardar) as imagens desejadas e a saudável luta entre as grandes cadeias de televisão para oferecerem as melhores programações em termos cinematográficos estimulam o interesse pelo cinema. Até há alguns anos, raros jornais abriam espaço para informar os filmes programados nos canais de televisão. Hoje, a informação dos filmes na televisão é serviço obrigatório.
Paralelamente, há um interesse cada vez maior pela informação dos filmes up to date - o que faz com que na mesma semana em que filmes como "September" (de Woody Allen) ou "O Império do Sol" (de Hector Babenco), estreiam nos Estados Unidos, páginas nobres dos segundos cadernos dos maiores jornais no Brasil se abrem para publicar os primeiros comentários da crítica a respeito destes filmes. A festa do Oscar é hoje um dos maiores eventos promocionais do show business e só a simples divulgação dos "nominados" - o que ocorrerá no próximo dia 17 de fevereiro - já provoca frissons na imprensa - e estimula até bolsas de apostas.
Hoje há um interesse imenso do público em saber das produções novas - não apenas as que estão sendo lançadas agora nos Estados Unidos ou na Europa, mas das rodagens e até naquelas em fase de planejamento. Nota-se isto pela sofisticação jornalística que revistas como "Set-Cinema & Vídeo", que Eugênio Bucci e Alex Antunes editam em São Paulo, para a Editora Azul (grupo Victor Civita), na "Vídeo & Fotogramas", na pioneira "Vídeo" ou até mesmo nas diferentes publicações que o curitibano José Augusto Iwersen produz. No Rio de Janeiro, a "Cinemin", fortaleceu-se na fase atual e ao lado da cobertura nacional é a mais completa fonte referencial, para o que o editor Fernando Albalim conta com um conselho de enciclopedistas cinematográficos - melhor diria, "ratos de cinematecas", que ao contrário dos três macacos sábios, tudo sabem, tudo viram e, generosamente, tudo contam quando lhes perguntam a respeito dos filmes do passado.
Internacionalmente, as revistas também melhoram cada vez mais. A histórica "Cahiers du Cinema", perdeu-se por alguns anos devido a sua teorização política, em compensação surgiu em Paris a "Premiére", tão dinâmica e jornalística que desde o final do ano passado tem uma edição americana. E um de seus fundadores, saiu para criar a mais sofisticada (e cara) revista de cinema - "Studio", que em março completará seu primeiro aniversário.
Pelo menos 30 títulos de novos livros de cinema - entre biografias, autobiografias, obras referenciais, etc. - são lançados mensalmente e, pouco a pouco as editoras brasileiras começam a se interessar por este gênero. A Francisco Alves, L&PM, Companhia das Letras, Best-Seller, Record - entre outras editoras, estão abrindo seus espaços especialmente para obras - biográficas ou interpretativas - de personalidades como John Huston, Katherine Hepburn, Wim Wenders, Eiseinstein e tantos outros nomes marcantes.
Se o vídeo trouxe um (natural) comodismo de platéias que, tradicionalmente, já não freqüentavam tão assiduamente as salas de exibição (desconfortáveis muitas vezes, sujas, mal cuidadas), provocou também um novo interesse por filmes famosos, clássicos que chegam não só pelas edições legalizadas (finalmente estimuladas, após a caça aos piratas), mas também nas programações que começam a ser bem cuidadas na televisão. Afinal, quantos não desejavam rever comédias otimistas e inteligentes de Frank Capra como "Do Mundo Nada se Leva", "Adorável Vagabundo" ou "Este Mundo é um Hospício" (Arsenic and Old Lace) - que foi reprisada esta semana na Globo.
Enfim, o vídeo não acabou com o cinema - assim como a televisão apenas estimulou, no início dos anos 50, uma nova filosofia de filmes. O vídeo trouxe, isto sim, um interesse maior pela informação cinematográfica.
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