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Aramis

À Flor da Pele (I)

Na última seqüência de "À Flor da Pele" (Cine Rivoli, 2a semana, 4 sessões diárias), o professor Marcelo Fonseca (Juca de Oliveira) despede-se de sua aluna-amante, Verônica Prado (Denise Bandeira). A câmara filma os personagens entre as torres de microondas no terraço do edifício Itália, o mais alto ponto de São Paulo, e ouve-se apenas o monólogo de Verônica. Não há qualquer comunicação entre os dois personagens e enquanto Marcelo desce as escadas, Verônica é focalizada à dsitância - de uma tomada feita em helicóptero. A cena vai ampliando-se e Verônica fica apenas como um ponto perdido no meio da megalópolis - filmada num dia de sol, em que a poluição não cobria o edifício Itália. Desde "São Paulo S/A" (1965), de Luís Sérgio Person (1936-1976), que a cidade de São Paulo não participava tão intensamente de um filme. Mais do que os personagens criados por Consuelo de Castro, no texto original - e os novos acrescentados no brilhante roteiro, Francisco Ramalho Júnior fez a cidade de São Paulo crescer e ser a grande personagem de sua história. Uma cidade grande, com seus cinzentos prédios, suas ruas movimentadas mas também com museus e parques verdes, redescobertos na câmara sensível de Lúcio Kodato. Se São Paulo pode ser visto como painel da terrível solidão humana, como Oduvaldo Viana Filho (1939-1975) fez num de seus mais inspirados "Caso Especial" na Globo ("Turma Doce Turma"), a cidade também pode ser apenas o contorno vivo do relacionamento de dois personagens. E essa visão humana, profundamente lúcida que Ramalho Júnior deu ao seu filme é que o fez merecer aplausos de uma platéia internacional, no Festival de Cinema de San Sebastian (1739/76), a ganhar as mais simpáticas criticas, inclusive da "Variety" (a bíblia do cinema comercial internacional), e, emocionando o público e júri do V Festival de Gramados, merecer três das mais importantes premiações; melhor roteiro e melhor atriz (Denise Bandeira). Em 1969, quando Ramalho Júnior tinha apenas 28 anos, realizou "Anuska, Manequim & Mulher", de um conto de Ignacio de Loyola. Ali, já mostrava sua sensibilidade em relação aos personagens, saindo do regional para o universal e, com isso estabelecendo um relacionamento com o público sensível de qualquer latitude. Passados oito anos, período em que para sobreviver fez documentários, dirigiu o Museu Lasar Segall e chegou até a fazer um digno episódio de uma comédia apelativa ("Joãosinho" de "Sabendo Usar Não Vai Faltar", 1975), Francisco Ramalho Júnior consegue em "À Flor da pele" um resultado perfeito. Rodado em apenas um mês (novembro/75), com extraordinária concisão de tempo-espaço, a versão cinematográfica da peça de Consuelo de Castro alcançou uma dimensão com a qual a autora não havia pensado: a personagem Verônica Prado deixou a dimensão contida da ação de 1968, quando a peça estreou, e ganhou uma posição mais dramática, aberta, cruel - mas igualmente humana. O personagem Marcelo Fonseca, especialista em Shakespeare, crítico de teatro e autor de telenovelas, perdeu sua conotação política (afinal, esse enfoque traria problema com a Censura), mas é colocado com extraordinária simpatia - em seu aparente acomodamento (40 anos, casado, uma filha, é difícil o rompimento com o sistema de vida para assumir uma nova situação) que o leva a afastar-se da paixão intensa, criativa e rejuvenescedora de uma rica estudante de 20 anos, bela, livre, mas com intensos conflitos de relacionamento. "À Flor da Pele", para nós o melhor filme brasileiro lançado nos últimos anos, pode ser analisado de muitos enfoques. Mas é sobretudo como um cinema de personagens, de sentimento e intenso amor-77, que consegue a sua maior importância, fazendo-o uma obra da maior dignidade e que merece ser visto, quantas vezes for possível.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
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15/02/1977

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