Rio, 40 Graus
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de março de 1978
Os 23 anos que separam a realização de "Rio, 40 Graus"- iniciado em 1954 e somente lançado em 55, em meio de imensa dificuldade (inclusive sua tentativa de proibição, até pelo chefe de polícia do então Distrito Federal) - nada mais fizeram do que valorizar este filme-marco do Cinema Nacional. Ao contrário do que acontece com tantos filmes, que envelhecem prematuramente, não resistindo a uma revisão, o filme de Nelson Pereira dos Santos somente ganhou com o passar do tempo. Raras vezes um filme conseguiu absorver, panoramicamente, tão bem uma cidade, seu povo, seus dramas.
Quando "Rio 40 Graus" foi realizado, dentro de um esquema quase que amadoristicamente, sem recursos de produção, o neo-realismo italiano estava no auge. E, como Vittorio de Sicca (1902-1976) havia feito 6 anos antes, no clássico "Ladrões de Bicicletas", Dos Santos foi buscar no povo, em rosto anônimos da multidão - no caso os meninos vendedores de amendoim - o fio condutor dos vários personagens, intercalado em rápidos tablauxs, aspectos vários do Rio de Janeiro - caracteristicamente dos anos 50, mas que permanecem, com (ou mais) atualidade ainda: a vida na favela, a Escola de Samba, a corrupção política, a exploração dos jogadores de futebol, a doméstica do Interior engravidade, enfim todo um painel da maior densidade humana. Planejado como parte de uma trilogia - que só teria, infelizmente, uma segunda parte ("Rio, Zona Norte", 1957), "Rio 40 Graus" é o filme de referência mais obrigatória quando se fala em Cinema Brasileiro. Infelizmente, por razões não explicadas, a Embrafilmes o excluiu da mostra "Nosso Cinema - 80 Anos" (assim como também foi esquecido "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha), de forma que se fosse agora a chance oferecida pela Cinemateca do MAM-RJ, o público mais jovem não teria oportunidade de conhecer esta obra indispensável do CB (hoje, às 20h30m, haverá uma nova exibição, na sala Arnaldo Fontana do Museu Guido Viaro).
A partir da primeira imagem - uma vista aérea do Rio de Janeiro, Nelson define o espírito aberto de sua obra: um filme da cidade feita com o seu povo. E, partindo da vida no morro do Cabuçu, Nelson estruturou toda uma visão humana, transcorrida num domingo: os personagens se encontram e desencontram, percorrem a cidade, buscam o lazer, o amor, o trabalho. São seres extraordinariamente simples e humildes, personagens que permanecem na retina do espectador com a mesma dorça dos melhores momentos dos clássicos filmes de Vittorio De Sicca ou Pietro Germi. Só que brasileiríssimas, em suas e sofrimentos verde-amarelos - numa visão social e triste que, infelizmente, pouco mudou passadas duas década. "Rio 40 Graus" é tema para todo um ensaio, tão grande é a sua beleza e importância dentro da história do CN. Conhecê-lo - ou revê-lo, para os que, em 1955, não o tinham visto no Cine Avenida, onde teve uma única semana de exibição (e nunca mais foi reprisado) - é uma oportunidade de ouro. Pois, ao lado de "Deus e o Diabo", "Vidas Secas", do mesmo NPS, "Os Fuzis", de Ruy Guerra, "São Paulo S/A" de Luís Sérgio Person e "A Flor da Pele" de Francisco Ramalho Júnior, está entre os mais altos momentos da criatividade de nosso cinema.
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