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Aramis

Frio no palco do Guaíra quase suspendeu musical

Às 10h30 de quinta-feira, 2, o elenco de "Ain't Misbehavin", reunido num dos camarins do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, transmitiu, oficialmente a Srta. Cláudia, assistente de Gaby Leib Produções Artísticas, um posicionamento profissional: não havia condições do espetáculo ser apresentado. Razão: o frio excessivo e a total falta de equipamentos de aquecimento. Acostumados a se apresentarem em teatros de vários países, com temperatura até inferior a que fazia em Curitiba, na noite de quinta-feira, os profissionais americanos tinham, entretanto, um sólido argumento em seu favor: nunca haviam encontrado um teatro tão grande mas tão desequipado em termos de conforto para os artistas. Maria Amélia, a poliglota presidente da Pró-Música - entidade patrocinadora da única apresentação de "Ain't Misbehavin", sensatamente não se deixou dominar pelo pânico. Reconheceu que a temperatura estava baixa e que tanto para os cantores, como para os três instrumentistas, tornava-se difícil trabalhar com trajes leves, em situações tão adversas. Salientou, entretanto, que inúmeras outras companhias estrangeiras, vindas da Europa e Estados Unidos, em temporadas de inverno, entenderam a situação e não privaram o público de assistir aos seus espetáculos. Iniciou, então, uma operação-emergência, com telefonemas à amigos que, em suas casas, possuem algum tipo de aquecedor possível de funcionar num grande espaço como é o palco do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. O agrônomo e colecionador de discos Oswaldo Aranha Filho cedeu dois aparelhos, a empresária Verinha Walflor conseguiu mais três, Maria Amélia trouxe um aquecedor alemão, de sua casa (lembrança dos tempos em que residiu naquele país) e, no final, com sete aparelhos espalhados estrategicamente pelo palco e, com atraso de quase 30 minutos, o espetáculo iniciou. Da parte dos artistas americanos houve, antes de tudo, muito espírito de colaboração e tolerância. xxx Independente dos aspectos artísticos - um dos mais belos espetáculos musicais do ano, com toda a certeza - "Ain't Misbehavin", trouxe, mais uma vez, à discussão, a precariedade com que o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto foi inaugurado, há 15 anos, e a criminosa irresponsabilidade dos governos que têm se sucedido e, insensíveis a destinar recursos para completar a obra - tal como foi concebida pelo arquiteto Rubens Meister há exatamente 40 anos. Um dos mais competentes profissionais brasileiros, Rubens Meister ao fazer o projeto do Teatro Guaíra, vencendo concurso público realizado na época, projetou um teatro que teria um moderno sistema de aquecimento e ar condicionado, além de quatro elevadores internos. Acontece que assim como vários outros detalhes do projeto original foram sendo eliminados, pela desculpa de economia das obras (e que se estenderam por três décadas), também o teatro acabou sendo inaugurado - e assim continua - sem aquecimento, ar condicionado e elevadores internos. xxx A companhia americana que encantou o público curitibano, que apesar do frio lotou a platéia do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto não foi a primeira - e infelizmente não será a última - a sofrer com o frio curitibano. É, no mínimo, vergonhoso, que até agora, passados tantos anos da inauguração oficial do grande auditório, não se tenha pensado numa fórmula que, mesmo não resolvendo o problema total de aquecimento do palco, ao menos reduzir as correntes de vento que transforma o imenso espaço num campo gelado, capaz de levar ao hospital qualquer artista ou técnico que ali seja obrigado a permanecer por mais de 15 minutos. Entende-se que a montagem de espetáculos exige o uso de guarda-roupas com trajes nem sempre aquecidos - muitas vezes, no caso de atrizes, sumários. Imagine-se então as conseqüências físicas que traz uma temperatura de 1 grau, 6 graus e até 5 graus que já chegou a fazer no palco do Guaíra. Na platéia, mais protegida, o frio não chega a ser tão intenso - e além do mais o público comparece protegido com lãs e peles, permanecendo confortavelmente sentado nas poltronas. O contrário do que ocorre com os profissionais que, no palco e nos bastidores desdobram-se para oferecer bons espetáculos. xxx Na próxima semana, por sua conta, o advogado Constantino Viaro, diretor superintendente da Fundação Teatro Guaíra, embarca para Nova Iorque, em férias de 3 semanas. Com sua esposa, Vania - e possivelmente levando alguns amigos intelectuais - Viaro vai assistir os grandes espetáculos da Broadway e, especialmente, superprogramação do Festival Internacional de Artes de Nova Iorque, o maior evento cultural já realizado na Big Apple. Inteligente, bom administrador e observador, espera-se que Viaro retorne dos EUA com entusiasmo para tentar convencer ao seu amigo René Dotti, secretário da Cultura da necessidade imediata de se investir para que o Teatro Guaíra seja complementado. Não é por falta de denúncias que o governo não sabe da necessidade de instalar ao menos um dos quatro elevadores originalmente previstos para o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. A inexistência dos ascensores impede que pessoas idosas, deficientes físicos, cardíacos e centenas de outras pessoas tenham acesso aos balcões do Teatro. Mesmo para a platéia central, o acesso a deficientes físicos só é possível pelo lado externo do Teatro. O bar do teatro é vergonhoso, improvisado e mal instalado - há muito exigindo uma reforma. Entretanto, de concreto, nada se fez nestes últimos anos, embora Viaro, executivo que tem provado sua competência em todos os cargos que vem ocupando, garanta que não quer encerrar sua gestão sem ao menos resolver estes problemas. Para tanto precisa convencer o governador Álvaro Dias - por sinal, raramente visto nos espetáculos do Guaíra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
04/06/1988

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