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Aramis

Gaúchos fazem o Acorde em defesa de nossa boa música

Com a participação de mais de 30 pesquisadores, compositores e outras pessoas ligadas à música popular brasileira, o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore promove na próxima semana (11 a 14 de dezembro), na praia de Tramandaí, o Acorde Brasileiro - Seminário Nacional de Defesa da Música Regional Brasileira. Edson Otto, advogado, cantor que já venceu vários festivais nativistas e hoje dirige o IGTF, é o grande idealizador deste encontro que durante quatro dias debaterá temas como o colonialismo, pesquisa e intercâmbio da MPB, problemática da organização da música entre outros temas. Com um calendário nos quais os festivais nativistas se multiplicaram nos últimos 15 anos - fala-se em mais de 50, talvez 60, com aproximadamente 14 mil músicas buscando seleção para estes eventos, o Rio Grande do Sul é hoje um dos Estados mais musicais do País. Não nos cansamos de abrigar em nossas colunas notícias relacionadas aos diversos festivais nativistas, alguns dos quais de projeção nacional (Califórnia, em Uruguaiana, por sinal, tendo agora sua 16ª edição; o Musicanto, em Santa Rosa; o Seara, em Carazinho; a Coxilha, em Cruz Alta, etc.), todos devidamente registrados em elepês. Hoje, a discografia gaúcha passa dos 500 elepês, pois afora os álbuns, revelados nestes eventos - já partiram para carreiras solo - alguns até consagrados nacionalmente, como a dupla Kleiton & Kledir, ex-Almôndegas - e que tiveram em Uruguaiana, defendendo música nativista suas primeiras aparições. A FORÇA NATIVISTA Assim como os Centro de Tradições Gaúchas se espalharam por todo o País, acompanhando a migração gaúcha, também a força nativista da música vem subindo. Hoje, em muitos municípios paranaenses já se sente a pujança da bela sonoridade dos pampas e há dois meses, em Campo Mourão, realizava-se a primeira edição do Cante Terra, registrado em elepê pelo incansável Ayrton dos Anjos - o Patinete, o grande responsável pelo boom fonográfico gaúcho (disco a sair pela Continental, que também editou o elepê com as finalistas do último Fercapo, em julho último). O jornalista Juarez Fonseca, 40 anos, da "Zero Hora", que acompanha a música popular no Rio Grande do Sul, depois de ter escrito uma importante monografia sobre o trovador Gilson de Freitas, promete um necessário estudo sobre as diferentes correntes do som gaúcho, respectivamente o boom nativista - que por sua extensão e complexidade está a exigir mesmo um ensaio de profundidade. O I Acorde Brasileiro, em tão boa hora idealizado por Edson Otto, trará a discussão vários assuntos relacionados não só à música gaúcha, mas naturalmente, nacional - motivo aliás pelo qual o atuante Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro, presidido pelo incansável Maurício Tapajós, ali estará presente. DEFESA DE VALORES Dentro da música gaúcha há hoje pano para muitas mangas de discussão. Desde os radicais defensores de um nativismo puro, como Neto Fernandes (produtor do programa 'Galpão Crioulo', na RBS), Gilson de Freitas, o compositor Leonardo - aos mais liberais, que admitem aberturas para correntes elétricas - motivo, aliás, de grande confusão na Califórnia, há um ano, quando a premiação a uma música moderna de Jerônimo Jardim provocou violentos protestos e obrigou até a polícia a intervir para proteger júri e vencedores da fúria do público. Um exemplo de defesa extremada dos valores tradicionais é feita pelo simpático e querido Leonardo (Jader Moracy Teixeira, 46 anos, gaúcho de Bagé), vencedor da Califórnia-83 (com sua bela composição "Tertúlia") que, em um novo elepê ("Carta a Uruguaiana", Chantecler), faz tentam "modernizar" o mais antigo dos festivais nativistas do Rio Grande do Sul. Tradicionalíssima também é Berenice Azambuja, uma das compositoras-intérpretes do Rio Grande do Sul que mais tem gravado nestes últimos anos. Aliás, foi o paranaense Adelzom Alves, através de seu ouvidíssimo programa "O Amigo da Madrugada", na Rádio Globo, que ampliou a faixa de ouvintes de Berenice, que com seus vanerões, valsas, xotes e outros temas regionalistas caiu no agrado do público simples da periferia do Rio de Janeiro. Berenice tem ampliado seu repertório, seja com novos parceiros - como Leonardo e Paulo Martins, seja buscando autores de outros Estados - como Roberta Miranda (que, aliás, acaba de ter seu primeiro LP como cantora, lançado pela Continental) ou a dupla José Fortuna-Paraíso presentes em seu último LP com músicas como "Guarânia Chora" e "Mulher Cavaleira", respectivamente. Nem só de Renato Borghetti, o grande fenômeno instrumental do Rio Grande do Sul (vendeu 150 mil cópias de seu primeiro elepê) vive o acordeon. São muitos os bons gaiteiros daquele Estado e buscando jovens executantes a Continental contratou o garoto João Vicente Vieira dos Santos, a exemplo de Borghettinho, também executante de gaita-de-ponto, vencedor de concursos realizados em Bagé, Alegrete, Guaíba e Vacaria. Num LP intitulado "O Verdadeiro Campeão" (Continental), meio provocativo ao êxito de Borghetti, João Vicente mostra composições próprias, além de uma milonga de Gilberto Monteiro ("Galpão e Fronteira"), este reconhecido como o melhor executante de gaita no Rio Grande do Sul - muitas delas com produção restrita apenas ao Estado, que em si absorve os discos, fazendo com que não haja sequer interesse de distribuição, mesmo no Paraná onde é grande a presença gaúcha - exceto em Cascavel e região, onde a "Discolândia", tem um dos maiores estoques de discos gaúchos. Assim por exemplo, é difícil encontrar em Curitiba o disco do Crioulo dos Pampas ('Caminhante', Tropical/Polygram), que apresenta músicas curiosas, todas de sua autoria - algumas com parceiros. Realmente, a música gaúcha é um departamento à parte - que, sem preconceitos ou entusiasmos maiores, mas dentro de uma visão lógica, tem hoje uma presença especial tanto dentro do aspecto cultural-artístico, como no mercado fonográfico.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
30/11/1986

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