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Huston, o caçador de imagens e elefantes

Em "Raízes do Céu" (Roots of Heaven, 1958), um grupo de idealistas (interpretados por atores do nível de Eroll Flynn, Trevor Howard e Orson Welles) lutava no Interior da África contra os caçadores de elefantes, num verdadeiro manifesto visual-ecológico em termos de preservação da vida de uma das espécies ameaçadas. Seis anos antes, entretanto, durante as filmagens de "Uma Aventura na África" (The African Queen, 1952), o mesmo diretor John Huston chegou a atrasar a produção por uma obsessão: matar o seu primeiro elefante. Um projeto que não se consolidou, conforme narrou em sua autobiografia ("Um Livro Aberto", 1987, edição LP&M), mas que inspiraria um de seus maiores amigos, o roteirista Peter Viertel, que o acompanhou à África, a escrever um romance, "White Hunter, Black Heart", que, no terceiro trimestre de 1988 foi filmado por Clint Eastwood - e agora chega ao Brasil (Cine Bristol, hoje último dia em exibição). Na mitologia que consagra criadores da dimensão de John Huston (5/8/1906 - 28/8/1987), como Ernest Hemingway (1899-1961), um homem que apreciava o boxe, as caçadas, as mulheres e, especialmente, as bebidas, adquirem cada vez mais a condição de mito. Assim, quando Eastwood, vindo do sucesso de "Bird" - a sensível cinebiografia do saxofonista Charlie Parker (1920-1955) -, decidiu prestar uma homenagem ao diretor de "Moulin Rouge", filmando o livro de Viertel, coincidentemente o documentarista Frank Martin, apoiado pelos filhos do cineasta - Angelica e Danny -, realizava "A Maverick: John Huston", explêndido filme que teve até agora apenas uma única projeção no Brasil, durante o FestRio/Fortaleza. Para compensar a impossibilidade do público assistir àquele documentário (que dificilmente terá distribuição comercial), vale a pena ver "Coração de Caçador", ifelizmente encerrando hoje sua temporada curitibana. Um filme de admiração e amor, pois assim como havia feito com Parker, o ex-cowboy Clint Eastwood, 60 anos, procura mostrar Huston em toda sua dimensão humana - fazendo daquilo que, aparentemente, poderiam ser considerados defeitos (bebida, irresponsabilidade em certos momentos, despreocupação com os compromissos), virtudes que não diminuiram sua imensa obra cinematográfica e o colocaram entre os maiores cineastas de todos os tempos. Convocado por Huston para ajudar a finalizar o roteiro de James Agee (1909-1955) - baseado no romance de C.S. Forester - em "The African Queen" (que valeu o Oscar de melhor ator a Humphrey Bogart e várias indicações), Viertel, que havia colaborado em outros filmes do cineasta (entre eles "Resgate de Sangue", 49, e que viria depois coroteirizar "O Diabo Riu por Último", 54), em Entebbe, na Uganda, modificou o final de "Uma Aventura na África". Foram meses de trabalho e tensão, com uma produção difícil e complicada pela obsessão de Huston em empreender caçadas a elefantes - o que terminaria numa tragédia. O livro - como o filme - mostra os conflitos de Huston (na tela com o nome de John Wilson, interpretado por Eastwood), em especial seu lado liberal, contra injustiças, e as brigas com o produtor Paul Landers (George Dzundza), baseado no real Sam Spiegel (1904-1985). Coerente com o homenageado, Clint mostra tanto o Huston-cineasta quanto o Huston-caçador, destancando-o tanto atrás de elefantes quanto de locações. Com isso, a fotografia de Jack Green aproveita belíssimos cenários - num mergulho visual daquelas imagens que, há 38 anos, eram captadas pela fotografia em technicolor de "Uma Aventura na África", cuja (re)visão seria o ideal após assistir este "Coração de Caçador". LEGENDA FOTO - Depois de homenagear o jazzista Charles Parker em "Bird", Clint Eastwood presta seu tributo ao cineasta John Huston em "Caçador Branco", que hoje terá suas duas últimas exibições no Bristol.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
08/11/1990

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