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Aramis

Memória dos tempos de Peron

Há doze anos, depois de um longo exílio, Juan Domingos Peron voltou à Argentina em meio a graves convulsões sociais. Grupos de facções rivais qualificavam-se de "peronistas", e antigos inimigos de Peron eram favorecidos nas estranhas manobras de caudilho, enquanto militantes fiéis a ele eram perseguidos como "infiltrados". Esse conturbado quadro político é recriado pelo escritor Osvaldo Soriano num minúsculo universo, um povoado onde todos os personagens se conhecem, cenário onde "Não haverá mais dores nem esquecimento" (tradução de José Sanz, 118 páginas, Cr$ 16.000). Soriano, 42 anos, argentino de Mar del Plata, jornalista com atuação nos principais diários de Buenos Aires, em 1973 publicou o seu primeiro romance - "Triste, solitário y final", traduzido para o português, polonês, alemão, francês e italiano. Em 1976 exilou-se na Europa para denunciar o regime militar argentino. Seus livros "não haverá mais dores nem esquecimento" (1974) e "Quarteles de invierno" (produzido durante os anos do exílio foram publicados primeiro na Europa, em vários idiomas, e somente alguns anos depois na Argentina. Com humor negro e ação vertiginosa, diálogos justos, estilo rápido, Soriano narra em "no habrás más penas ni olvido" o enfrentamento político entre subalternos e chefes peronistas de uma pequena aldeia argentina. A falta de entendimento entre esses dois grupos originam ambíguas diferenças que vão se desenvolvendo num crescendo de violência até o massacre final. "Os personagens, que de capítulo em capítulo passam da dimensão cômica à da tragédia, são observados pelo autor com uma visão fria e sem indulgência, enquanto que o sentimento final é de uma amarga piedade", comentou o crítico e escritor Ítalo Calvino, "porque em toda sua miséria moral e mental, no vazio de suas ambições e seu fanatismo, eles não são mais que pobres diabos e vítimas". Este romance situou Soriano numa linha completamente diferente das de outros escritores latino-americanos. Soriano escreve como uma testemunha. Mas uma testemunha consciente da obscuridade de um período histórico demasiado recente; que se condói, junto com seus personagens, do absurdo isolamento, da ignorância ante as complexas significações da política peronista. Espectador da traição e da injustiça, Soriano as expõe numa linguagem que traduz com perfeição toda a crueldade que possui a violência quando se volta cotidiana e inexplicavelmente. Renovador, marcado por certos modelos comuns aos escritores latino-americanos, mas sem distanciar-se de um discurso realista que, exasperado até a tensão, produz uma ruptura entre a aparência e o que está oculto, Soriano revela em seu estilo influências de alguns escritores norte-americanos - Hemingway, Hammet, Nathanael West, Raymond Chandler - dos quais é admirador. Mergulha fundo na realidade argentina (e sul-americana) aos últimos anos, sem a pretensão de fazer análises e dar explicações: numa linguagem seca, humorística e patética, expõe a crueldade, a traição e a injustiça, deixando para o leitor a interpretação. LEGENDA FOTO 1 - Juan Domingo Peron; inspiração para o relato do argentino Soriano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Leitura
34
22/09/1985

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