Tabajara, o magnífico som que volta
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 22 de setembro de 1985
Domingo passado, no "Up to date", do suplemento "Cláudio", comentamos a importância do relançamento, em cópia dolby, 35 mm e com 11 minutos inéditos de "Música e Lágrimas" (The Glenn Miller Story), EUA, 1954, de Anthony Mann (previsto para breve no circuito CIC) como fator capaz de motivar um novo interesse das gravadoras (e do público, naturalmente) pela música maravilhosa das "big bands:. Afinal, aquele som "diferente" que o trombonista, compositor e "band-leader" Glenn Miller (1904-1944) sempre buscou, era apenas um dos estilos de uma época risonha e franca musicalmente, com centenas de grandes orquestras, nas quais as secções de metais davam o toque máximo - e na qual estiveram tantos virtuoses do jazz.
No Brasil, a "big band" que mais se aproximou do estilo harmonioso, vibrante e afinado das orquestras americanas dos anos 30/40 foi a Tabajara, de Severino Araújo.
Agora, ao lado do relançamento de "The Glenn Miller Story" (o trailler já está em exibição no Lido l), outra boa novidade aos que têm mais de 40 anos e sabem valorizar a grande música orquestral: a Tabajara fez um novo elepê. Produzido pelo competente e veterano Esdras Souza Pereira, 46 anos, desde 1958 na fonografia - agora diretor artístico da Companhia Independente de Disco -, a Orquestra Tabajara voltou a gravar após um intervalo de doze anos, quando fez seu último elepê na Odeon - um jejum só interrompido há três anos, pela reedição de fonogramas antigos, através de uma cuidadosa produção de João Luiz Ferreti para a Continental.
SHOW EM CURITIBA
Uma terceira boa notícia: em sua recente passagem por Curitiba - onde veio produzir um elepê com o grupo de rock Geito Natural - Esdras deixou mais ou menos acertado com o advogado Constantino Viaro, presidente do Clube Curitibano, a possibilidade da Orquestra Tabajara vir em janeiro de 1986, para o baile de aniversário daquele clube - o que será um evento histórico, pois salvo engano, em seus cinqüenta anos de existência, a Tabajara jamais esteve em Curitiba, segundo informação do pesquisador Alceu Schwaab.
A Tabajara está identificada ao nome de seu regente Severino Araújo de Oliveira (Limoeiro, Pernambuco, 23/4/1917). Na verdade, não foi Severino quem fundou esta orquestra. Severino pertence a uma família musical - seu pai José (Sazuinha), mestre-de-banda em Limoeiro, foi seu primeiro professor e os seus quatro irmãos também são músicos: Manuel (trombone), Plínio (bateria), Jaime (saxofone) e o histórico José - o Zé Bodega - sax-tenor notável.
Severino permaneceu em Limoeiro até 1930, quando transferiu-se para Ingá, na [Paraíba], trabalhando na prefeitura e integrando a banda de música. Em 1936 mudou-se para João Pessoa, ali atuando como clarinetista na banda da Polícia da Paraíba. No mesmo ano escreveria sua primeira composição - o clássico choro "Espinha de Bacalhau" e, em 1937, finalmente ingressaria na Rádio Tabajara, de João Pessoa, como primeiro saxofonista e clarinetista, época em que também foi convocado pelo Exército, onde serviu como músico. Em 1938, com a morte do regente da orquestra, assumiu a regência da Tabajara, que nunca mais deixou.
Em 1940, com dois dos melhores músicos da orquestra - Geraldo Medeiros e Porfírio Costa -, veio para o Rio de Janeiro, onde logo seria contratado pela Rádio PRG-3 para orquestrar programas e integrar, como saxofonista, a Orquestra Marajoara. Em 1945 mandou buscar os outros integrantes da Tabajara, que foi contratada pela Rádio Tamoio, então a grande rival da Nacional. Iniciava-se assim uma grande fase da Tabajara: shows em clubes, festas, gravações (o primeiro disco foi um 78 rpm com "Um Chorinho na Aldeia", de Severino e o samba "Onde o Céu azul é mais azul ", de João de Barro/ Alberto Ribeiro/ Alcir Pires Vermelho.
INÚMEROS SUCESSOS
Impossível reduzir a um "review" a carreira da Tabajara em quarenta anos de atividades de alcance nacional. Só em 78 rpm foram 100 discos, centenas de choros, de sucesso e um público fidelíssimo - que se mantém até hoje.
Como as orquestras americanas, a Tabajara contava com quatro trompetistas, três trombones, cinco saxofones e rítmo (entre seus crooners mais famosos, Jamelão e Elizeth Cardoso). Em 1951, quando a orquestra de Tommy Dorsey (1905-1956) veio ao Rio, para a inauguração do auditório da Rádio Tupi, houve um confronto das duas bing bands - com elogios a Tabajara do próprio Dorsey, fato que se tornou internacionalmente conhecido. Em 1952 a Tabajara excursionou à Europa - num roteiro internacional que incluiria, nos anos seguintes, inúmeras outras viagens.
Ao longo de cinco décadas, inúmeros instrumentistas passaram pela orquestra, mas Severino sempre manteve o som característico, que o identificou sempre como regente, arranjador e também compositor.
Ao voltar a fazer um novo elepê, no primeiro semestre de 1985, a Tabajara apresenta a seguinte formação: o veterano Jaime Araújo arregimentou o irmão Plínio na bateria; Ronaldo Araújo e Rui Mastop na percussão; Dario Pacheco no piano; Cesar Dias no baixo e Márcio Pereira na guitarra. Mas a secção forte é de metais: José Sobrinho, Maurílio da Silva Santos, Enedyr Santos Araújo e Wagner Nagele nos pistões; Antonio Norato, o velho Manoel Araújo, Sebastião Coutinho e Antonio Macaxeira nos trombones; Juarez e Edval Araújo nos sax-tenor; Jaime Araújo e Euclides Conceição no sax-alto e Geraldo Medeiros no sax-barítonos. Nos vocais, Edvaldo Borges e Leila Rocha. Como se vê, ao lado dos remanescentes da velha Tabajara, novos talentos - inclusive da segunda geração Araújo.
ÓTIMO REPERTÓRIO
O repertório selecionado não poderia ser melhor: de um arranjo para "Clair de Lune"(Debussy), como solo de pistão de Sobrinho e de sax alto de Jaime Araújo; a Wilson Moreira - Nei Lopes ("Gostoso Veneno"); faixas nacionalistas de várias épocas: "O Guarany" (Carlos Gomes), Villa Lobos ("Bachianas Brasileiras N. 5", solo do próprio Severino); "Aquarela do Brasil" (Ary Barroso) nestas duas, com solos de Severino na clarineta e, dando um toque de contemporaneidade, "Coração de Estudante" (Wagner Tiso/ Milton Nascimento). Dentro da linha eclética, a Tabajara traz ao lado de sambas antológicos (Tristeza", Haroldo Lobo/Niltinho), "Mania de Você" (Rita Lee) e uma obra-prima como "Travessia" (Milton Nascimento/ Fernando Brandt, com belíssimo solo do sax alto de Jaime Araújo) e também dois chorinhos de Severino Araújo.
Sérgio Cabral, em entusiástico texto de contracapa, define bem a qualidade deste disco que "não é um produto comum, desses que se misturam com tantos outros nas estantes das lojas, à espera que o consumidor o escolha para levá-lo para casa. Este disco é um grande acontecimento da música brasileira, pois documenta o exato momento em que alguns dos melhores instrumentistas do País, sob a regência do maestro Severino Araújo (com destaque do seu clarinete), executam, de maneira primorosa, onze músicas da melhor qualidade e da melhor variedade".
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