O canto nordestino do carioca Manhães
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 22 de setembro de 1991
Para o público, parece um estreante. Mas seu curriculum é impressionante: quase 100 discos de samba. Só que como produtor - aquela figura que fica numa posição (quase) obscura, especialmente quando os artistas são populares, tipo Marquinhos Satã, Zeca Pagodinho, Almir Guibeto, Dominguinhos do Estácio, Grupo Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Mauro Diniz, Reinaldo, Jovelina Pérola Negra, etc. Para o público destes artistas, raramente há preocupação de saber "quem" produziu o disco.
Portanto, Milton Manhães é desconhecido do público. E só agora resolveu mostrar que sabe cantar. Carioca com sabor nordestino, nesta sua estréia como solista escolheu um nome bem apropriado: "Responsabilidade" (Polygram). Para produzi-lo foi buscar um amigo, Ivan Paulo, embora obviamente a última palavra deva ter sido a sua.
Um disco com sabor nordestino e que começa com três clássicos de Jackson do Pandeiro (José Gomes Filho, 1919-1983) - um compositor que precisa ser reavaliado em sua importância como crítico de costumes, contundente em seus forrós: "Canto da Ema", "Um a Um", e, especialmente, o "Chiclete com Banana".
Em homenagem ao grande Gonzagão (Luiz Gonzaga, 1912-1989), Manhães traz "Forró no Escuro" ("o candeeiro se apagou, o sanfoneiro cochilou e a sanfona não parou e o forró cintuou") e "Qui nem Giló". Gordurinha, com seu "Baiano Burro Nasce Morto", Venâncio / Corumba / José Guimarães ("O Último Pau de Arara"), "Boi na Cajarana" (novamente Venâncio / Corumba, mais Luiz Wanderley), "Pagando o Pato" (Luiz Vieira), "Cabo Tenório" (Rosil Cavalcanti) e até Chico Anísio ("Quem me Chama de Mentiroso, Mentiroso É"), são outras faixas muito bem escolhidas, num álbum que para não deixar de ter sua "modernidade" mostra um forró do alagoano Djavan ("Maçã no Rosto").
Um disco brasileiro, de raízes, "Responsabilidade" é uma agradável surpresa por trazer um homem identificado a MPB, produtor experiente que se saiu muito bem nesta travessia de, assumindo o triângulo, sanfona e zabumba, batendo [comxas] com o surdo, o pandeiro e o cavaco, oferece necessários momentos de brasilidade entre tanta produção supérflua.
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