O contemporâneo que mais discutido do que escutado
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de fevereiro de 1989
O trabalho que a curitibana Bernadete Zagonel - (assim como o violonista e compositor Francisco Mello, este estudando na Alemanha) - poderão desenvolver em Curitiba, quando retornarem, se insere nas correntes mais avançadas da criação sonora. Em conseqüência são propostas que dependem - e muito - de condições especiais para serem concretizadas, pois o campo da chamada música contemporânea é ainda restritíssimo, não só no Brasil mas mesmo em outros países.
Em Santos, há mais de um década, realiza-se um festival de música contemporânea que se constitui num dos poucos espaços para que os compositores que se dedicam a esta linha possam mostrar seus trabalhos. Marlos Nobre, 50 anos a serem completados no próximo 18 de fevereiro, atualmente na presidência da Fundação Cultural do Distrito Federal, é hoje o compositor de uma linha identificada com estas novas propostas, com maior dimensão internacional - convocado para desenvolver obras em vários países - conforme ainda recentemente registramos.
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Mesmo em gravações, é dificil conhecer os trabalhos de compositoes contemporâneos - pois raríssimas vezes as mesmas têm lançamentos no Brasil. Por exemplo, só em maio do ano passado foi que graças à audácia do empresário Henrique Sverner, dono da cadeia Breno Rossi, a CBS se dispôs a editar um pacote de oito elepês trazendo gravações de Pierre Boulez, identificado ao lado do alemão Karlheinz Stockhausen, do italiano Luciano Berio e do americano John Cage como um dos mais discutidos/polêmicos - mas ironicamente menos ouvidos (pela dificuldade de suas músicas chegar ao público) compositores contemporâneos. Como escreveu o jornalista Luís Antônio Giron, aos 64 anos, Boulez goza de duas reputações aparentemente contrárias: a de construtor e a de demolidor. "No início dos anos 50, assumiu o papel de geômetra do serialismo integral. Abominou o acaso de John Cage e propôs uma espécie de superdeterminação de composição musical, a partir do ordenamento de seus parâmetros fundamentais de altura, duração, timbre e intensidade. Suas composições ganharam estudos admirados, mas poucos ouvidos. Autor de peças complexas, era como se Aristóteles optasse pelo relativismo einsteniano e misturasse a lógica formal com a visão de um universo pluridimensional. Não chegou a ser odiado como construtor. Já como maestro, só faltou o apedrejamento. Foi na pele de regente, a partir dos anos 60, que Boulez se fez conhecer no mundo todo."
No pacote de oito discos que, numa tiragem naturalmente pequena, foram lançados no Brasil (em Curitiba, só possível de conseguir, por encomenda, na loja Breno Rossi, no Shopping Mueller) dão uma demonstração do trabalho de Boulez - como regente de peças como "O Pássaro de Fogo", de Stravinsky, pela Orquestra Filarmônica de Nova York; "Pierro Lunaire", de Arnold Schoenberg - numa segunda versão do próprio Boulez. "Octanders", "Density", "Deserts", "Ecuatorial" e "Hyperprisme" e outras obras de Edgard Varése (1885-1965), pelo conjunto Intercontemporain.
Num elepê temos a visão de Boulez regendo duas composições camerísticas do francês Olivier Messiaen - que completou 80 anos em 1988 e cujo "Catálogo dos Pássaros", na interpretação da pianista curitibana Jocy de Oliveira foi lançado no final do ano pela Polygram/Philips. Na gravação de Messiaen, Boulez rege o grupo instrumental de percussão de Estrasburgo e a Orquestra do Demaine Musical.
Já em dois outros álbuns, Boulez apresenta a obra de Arnold Schoenberg (Viena, 1874 - Los Angeles, 1951) - com gravações (de 1973 e 1985), nos quais dirigindo a Sinfônica da BBC, revisa a cantata "O Sobrevivente de Varsóvia", as "Variações, Opus 51" e as "Cinco Peças para Orquestra, opus 16", além do curioso "Acompanhamento a uma Cena Cinematográfica", que Schoenberg realizou em 1930, em Hollywood, quando foi contratado por Louis Mayer (1885-1957), para uma experiência de fazer músicas para o cinema - ao qual, evidentemente, ele não se adaptou.
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Além da regência de obras de compositores avançados em suas propostas, um dos volumes ("Boulez rege Boulez") traz suas próprias composições: "Le Marteau sans Maitre", composta em 1954, é uma obra para meio soprano e conjunto de câmara, formado por flauta, xilofone, vibrafone, percussão e viola. Obra composta em 1973, quando do lançamento americano teve já uma edição privada da mesma Breno Rossi.
As outras duas peças de Boulez são "Ritual" (1983) e "Eclat -Multiples" (1965).
Pierre Boulez já dirigiu a Filarmônica de Nova Iorque (1971-1976), mas demitiu-se chamando a orquestra de "Supermercado do Lincoln Center" (foi substituído por Zubin Metha). Depois dirigiu vanguardistas montagens operísticas em Bayreuth, República Federal da Alemanha (1976/80) e finalmente coordenou a construção do Ircam - o Instituto de Pesquisa e Coordenação Acústico Musical em Paris, instalado no subsolo do Centro Georges Pompidou - justamente considerado o maior centro experimental de música da Europa.
Mesmo na Europa e EUA as gravações de Boulez têm pequeno público. Isso não impediu que Henrique Sverner, garantindo a CBS a aquisição de uma quantidade suficiente para justificar o investimento, proporcionasse que oito registros de Boulez chegassem a quem se disponha a conhecer um trabalho ousado, experimental, difícil. Chato para muitos, genial para outros! E que nunca se ouvirá no rádio - e mesmo poucas orquestras do Brasil se aventurariam em apresentar tais composições.
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