O pau-de-sebo dos sambistas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de novembro de 1984
"Pau-de-sebo" é a designação que se dá na gíria fonográfica aos elepês que reúnem novos intérpretes, dos quais os que conseguem melhor aceitação acabam ganhando seus discos-solos. A fórmula é antiga e tem dado resultados. Foi num disco pau-de-sebo ("Quem Samba Fica", Odeon, 1971), que o paranaense Adelzon Alves produziu na Odeon, que surgiram Roberto Ribeiro, Nadinho da Ilha e João Nogueira. Outros exemplos poderiam ser lembrados, mas basta este.
Um excelente Ip pau-de-sebo é o que a RCA está lançando agora: "Aconteça o que acontecer". De princípio, uma inovação: ao invés de estúdio, o produtor Clever Pereira preferiu registrar os oito sambistas que participam do disco em seu habitat. Assim como lembra o jornalista Roberto M. Moura, cada sambista que participa deste disco é "ele mesmo, sem passar procuração para ninguém". O maestro Rogério Rossini também fez um trabalho liberto: ao som das diversas baterias, gravadas com suas inevitáveis singularidades, adicionou os instrumentos de harmonia de praxe, um cavaquinho, um violão de sete cordas (o excelente Rafael Rabello), procurando interferir muito pouco no resultado final. Assim, como bem diz Moura, "o que ouvimos é o samba em estado bruto, valorizado pela tecnologia posta pela primeira vez à sua disposição. Até aqui. Maomé foi sempre à montanha. Desta vez, a montanha vai a Maomé".
O disco abre com um esplêndido samba, "Sonhar com Deus" (Guará-Renato), na interpretação de Patrícia, afinada sambista, acoplada já ao samba de Guará (e Jorginho da Rosas) que, na voz do autor, dá nome ao elepê. Dispensável seria o texto introdutório, que nada acrescenta. O mesmo Guará tem uma segunda faixa - "Viola em Bandoleira". Compositores e intérpretes se sucedem: Amauri Preto Jóia defendeu um dos melhores sambas do disco ("A Voz do Povo", Aroldo Melodia/Leôncio da Silva); enquanto Antonio Martins é o intérprete de duas composições próprias: "Você vive a me falar da Bahia" e "Pagode verde e rosa". Outro autor-intérprete é Ivo Meirelles, que com "Vou Pra Ganhar", abre o pot-pourri da vitória que agrupa também "Poeira de Estrelas" (Heraldo Farias/Flavinho Machado/Tanka), com Flavinho Machado e o já referido "Você vive a me falar da Bahia". Miza é o autor (em parceria com Jorginho do Cavaco) de "Brilho de Felicidade", enquanto Marquinho Lessa é parceiro (e cantor) de "Novo Amanhecer" (de Ricardo Pinheiro).
De todos os compositores e intérpretes deste álbum, apenas dois nomes já conhecidos: Zé Catimba (parceiro de Adilson Madrugada em "Sorriso da Mulata", defendido por Efson) e o veterano mestre Marçal (Nilton Delfino Marçal), autor da única faixa instrumental - o efusiante "Minha Rapaziada".
Produção extremamente bem acabada, com uma capa enriquecida com um desenho de Cecília Meireles" (extraído do livro "Batuques, Samba e Macumba-Estudos de Gestos e de Ritmo", Funarte, 1983), "Aconteça o que Acontecer" é um disco para se prestar atenção. Nos hoje desconhecidos autores e intérpretes deste álbum, estão, por certo, muitos talentos dos quais muito se ouvirá falar nos próximos anos. Talento não falta a esta rapaziada...
Enviar novo comentário