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Aramis

Para ver, viver e pensar (I)

"Essas árvores não podem saciar-se com menos céu Essas pedras não podem saciar-se sob passos estranhos E esses homens só podem saciar-se com o sol, E esses corações só podem saciar-se com a justiça". (Yannis Riisos) O bordereaux do Cine Plaza encerrou na última sessão de domingo com uma renda de Cr$ 276.400,00 na 3ª semana de exibição de "Z", ou seja, Cr$ 36.775,00 a mais do que rendeu o filme na semana de estréia (Cr$ 239.725,00). Somado ao faturamento das duas semanas de exibição no Cinema 1 - onde há 7 dias já foi substituído pela reprise de "Apocalypse Now" - o filme de Costa Gravas faturou em Curitiba mais de Cr$ 900 mil, o que justificou os executivos de Paulo Sá Brito, proprietário do Plaza, determinassem a Alfredo Prim, representante local daquele grupo, manter a fita em exibição até quarta-feira - e, possivelmente, adiar o anunciado "Os Meninos do Brasil", de Franklin F. Schaffner, cuja estréia estava prevista para ontem. Mais do que cifras que, a rigor, interessaram apenas à contabilidade das empresas distribuidoras e exibidoras, o sucesso de renda de "Z" - numa temporada excelente em termos de opções cinematográficas ("Kramer x Kramer" provocando filas imensas no Astor; "O Mágico Inesquecível", no Condor; o cerebral "Sonata de Outono" no Rivoli e o erótico "Os 7 Gatinhos" no São João), merece mais do que simples análises críticas - nestas alturas quase superadas, tal o volume do que se vem escrevendo há 12 anos em relação a este filme que só agora chegou ao Brasil. Poucas vezes um filme provoca tanta emoção na maior parte da platéia, atrai um público tão diversificado - inclusive homens públicos, juristas, políticos, etc., que, normalmente, por "falta de tempo" ou interesse maior, raramente vão ao cinema. Jairo, o eficiente gerente do Plaza, tem observado que nas 3 semanas em que "Z" está em cartaz, raros foram os espectadores que deixaram a sala sem mostrar um impacto e, ao contrário do que ocorre na maioria das sessões, não há gracejos e mesmo sequer risos - mas, ao contrário - e como se repete em quase todo o País, muitas vezes, aplausos ao final do filme. "Z" se insere na categoria de filmes ao qual o tempo não envelheceu. Realizado em 1968, rodado parte na Argélia e interiores nos estúdios "Joinville", em Paris, e tendo recebido quase todos os prêmios importantes de 1968/69 - inclusive o Oscar de melhor filme estrangeiro, a obra de Costa-Gravas, então com 36 anos, realizou com imensa garra, sobre o assassinato de um deputado da oposição, Grigoris Lambrakis, a 22 de maio de 1963, na Salonica, e que, indiretamente, levaria, 4 anos depois, os militares ao poder naquele país, emocionou todo o mundo. E mesmo só tendo sido liberada na Grécia após a sua redemocratização, há 5 anos, a força do romance sem ficção de Vassili Vassilikos que Jorge Seprum roteirizou com a maior perfeição, deve ter contado, muito, para com que a pátria da democracia voltasse a ter um regime de liberdade e onde os direitos humanos sejam respeitados (o quanto é possível). Mesmo "Estado de Sítio", que Costa-Gravas realizou em 1972/73, no Chile (antes do golpe contra o presidente Allende), focalizado, também de forma simbólica, mas extremamente contundente, o seqüestro do agente da CIA. Don Mitrione, pelos Tupamaros, no Uruguai, caso venha a ser liberado no Brasil, talvez não tenha tanto realismo e, de certa forma, atualidade, quanto "Z". Mais do que os fatos em si que o filme focaliza - um complô de extrema-direita para assassinar um deputado oposicionista, contrário à corrida armamentista e às bases militares americanas na Grécia, o filme de Costa-Gravas é um hino à coragem e honestidade de um juiz de instrução (Jean Louis Trintignant, numa de suas melhores atuações), que, sem partidarismo, decide levar até o fim a investigação da morte de um deputado (Ives Montand, numa atuação marcante) num comício, e que as autoridades pretendiam sufocar apenas como um "acidente de trânsito". Bastante esclarecedoras são as próprias palavras de Costa-Gravas, para quem "Z" representa "não uma defesa em favor de um determinado partido político, mas uma defesa em favor de um Homem e de uma Idéia - antes mesmo que este "Homem" venha a ser "Governo"2 e esta "Idéia" um "Rótulo Político". Através de uma pesquisa minuciosa, onde não estamos mais diante de hipóteses e sim de fatos precisos, esta defesa se torna uma acusação contra um sistema que se diz revolucionário e no qual tudo é paródia, até mesmo a justiça". Quando o Brasil, após 16 anos, retorna ao saudável processo de (re)início de livre debate de idéias e posições, a visão de "Z" como de outros filmes igualmente políticos e atuais, como "Queimada" (pré-estréia no Astor, sábado, meia-noite) e "Sacco & Vanzetti" (ambos aqui lançados, mas vítimas do AI-5 em seus reflexos na Censura) - só tem a contribuir para com todos. Não apenas no aspecto estético-cinematográfico (e nisto, o filme de Costa-Gravas já merece todos os elogios), mas por levantar a importância de que acima da repressão, do poder temporário, da violência, da justiça corrupta, da política suja, a fé no Homem, na verdade, deve fazer com que, por mais negros que sejam os dias, a mentira seja (apenas e felizmente) a verdade passageira. O que mais profundamente emociona o espectador consciente, ao ver (ou rever) "Z" - que assistimos pela primeira vez, há 10 anos, em Montevidéu, e agora, uma década depois, nos causa a mesma emoção - é sentir que, mesmo infelizmente, os fatos ali colocados, ainda se repitam, só a possibilidade dos mesmos chegarem à tela, numa forma de comunicação tão forte como o cinema, faz com que se acredite que o radicalismo, a violência, a repressão, seja de que lado for (e o próprio Gravas denunciou os excessos do stalinismo em "A Confissão/L'Aveu, 70 exibido entre 72/73 no Brasil sem qualquer restrição) fazem os homens, os povos e mesmo os países, se tornarem mais floridos, mas também mais maduros. Jorge Semprun, romancista e roteirista, colaborador habitual de Costa-Gravas, emocionou-se com "Z" desde as [primeiras] páginas, pois "cada personagem tinha um nome real, cada acontecimento descrito havia de fato ocorrido. Esta cidade branca existia, bordejada de um mar azul, sob um sol de primavera. Um noticiário longínquo, é verdade. Quem se lembra ainda desse homem, do acidente de trânsito que custou-lhe a vida, e que nada mais era do que um crime, disfarçado? Mas, expressa na minúcia escrupulosa de detalhes, e no lirismo desesperado do escritor, havia também uma verdade universal, escondida atrás do noticiário local. A verdade universal dos mecanismos da corrupção, as armadilhas da asneira universal, a grandeza universal da coragem infeliz. Não tentemos nos tranqüilizar, isto não acontece somente em alguns lugares, acontece em toda parte. Era talvez necessário; é em todo caso apaixonante, transcrever as riquezas deste livro, tentar passar-lhe o sopro e a experiência moral para o universo perecível - mas universal - de linguagem cinematográfica". xxx A violência política na Grécia ou a violência das cidades brasileiras nos dias de hoje, a ameaça de todos os instantes - dos marginais ou de maus agentes da lei (sic), que, no interior de delegacias, embriagados, verdadeiras feras, agridem pessoas inocentes, faz com que "Z" seja mais do que um filme. É como um balde de água gelada para despertar consciências mortas, adormecidas ou assustadas - que, sob as mai diversas alegações, preferem o comodismo, o "esquecimento" - enquanto tantos crimes se cometem contra os seres humanos, em todos os momentos. LEGENDA FOTO : Trintignant, o juiz-instrutor de "Z": a justiça com esperança.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
22/04/1980

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