Para ver, pensar & sentir (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de abril de 1980
Costa-Gravas, hoje aos 47 anos, é considerado como o "mestre do cinema político". Ruben Ewald Filho, um dos mais organizados críticos brasileiros, o classificou como "quem descobriu a fórmula cera de vender suas mensagens políticas, rodando "thrillers" policiais em que os fascistas são os vilões"22.
A afirmação é pouco exagerada: embora sua filmografia, a partir do primeiro longa-metragem quem dirigiu, "O Crime no Carro Dormitório" (Compartment Teuers, 65), seja sempre absolutamente consciente em defesa do homem, da justiça e dos direitos humanos, nem todas suas fitas foram somente políticas: a estréia no filme acima citado tinha um argumento policial e seu segundo longa-metragem, "Um Homem a Mais" (Un Homme de Trop), 66, era ambientado durante a guerra, quando um batalhão passa a ter um soldado a mais - nascendo a dúvida de que não seria um espião. Foi, sem dúvida, "Z", rodado em 1968, logo após o chamado "golpe dos coronéis", na Grécia, que o caracterizou como cineasta político, disposto a tocar o dedo em assuntos incômodos. Assim, não teve dúvidas em denunciar também os crimes do stalinismo na Checoslováquia em "A Confissão", voltando a abordar fatos contemporâneos em "Estado de Sítio", em 19973 - sempre com seu amigo e ator favorito Yves Montand, no papel central "Section Speciale", de 1975, onde denuncia a corrupção da justiça francesa, teve problemas mesmo na Europa e até hoje não se tem notícias de que algum distribuidor manifestasse interesse por seu lançamento no Brasil.
No ano passado, mais uma vez com Montand, Gravas concluiu um novo filme "Clair de Femme", coprodução franco-alemã. Desta vez, ao invés de recorrer a Jurge Seprum, seu colaborador habitual, Gravas adaptou um romance de Romain Gary, 66 anos. e para quem esperava um novo filme político, de denúncia de fatos contemporâneos, "Clair de Femme" vai surpreender pelo caráter intimista, de conflitos existenciais. Basicamente, é a história de Michel (Yves Montand), aparentemente um homem forte e sólido. No [entanto] está perdido, desorientado, apavorado de desespero numa noite que deve passar sem companhia, aguardando a manhã, quando irá ver sua mulher morta. Sua mulher que escolheu a dignidade de um ato voluntário ante a agonia, o sofrimento. É uma longa noite quando não consegue acorajar-se a fugir para Caracas, quando havia planejado. Um universo denso, pesado - mas, obviamente, com profundidade que caracteriza a obra de Gravas, que, há alguns meses, manifestou interesse em levar a tela o caso do Parasar, ocorrido no auge da repressão do Brasil. Mas mesmo a ele não é fácil conseguir recursos para fazer cinema político. Em entrevista há alguns meses atrás revelou que após aprontar o roteiro de um filme sobre as multinacionais, "Le Carmoran", não conseguiu produtor disposto ao investimento. Particularmente, Gravas insiste em que busca um cinema popular: "o cinema é para mim uma arte. É preciso comunicar-se com o máximo de pessoas. É preciso também um cinema de vanguarda mas o perigo hoje que espreita nosso cinema é que tende demais para um cinema vanguardista e hermético".
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Para que, como Gravas, nascido em Atenas de pai russo e mãe grega, desde os 18 anos morando na França e que após fazer o curso no IDEHC, foi assistente de cineastas como Yves Alegret, Verneuil, René Clair e Rene Clemant, é importante se conhecer ao menos a sua filmografia pra se compreender melhor "Z", que chegando ao Brasil com 12 anos de atraso, não perdeu em nada sua validade e oportunidade. Muito pelo contrário, visto hoje, possibilita que se tenha uma ótica mais calma, reflexiva, do que se fosse exibido há 10 anos passados. Só este aspecto já faz com que "Z" mantenha essa característica que diferencia um filme panfletário, oportunista - de uma obra séria e verdadeira - além de cinematograficamente perfeita, haja vista o número de prêmios que acumulou entre 1968/69.
Sua exibição ainda hoje, no cine Plaza (sendo possível sua permanência por mais uma semana), faz com que se torne oportuno que se repita o que escreveu Vincent Canby, o mais influente crítico de cinema do "The New York Times": "Z" é um drama altamente emocionante que manipula nossas reações emocionais e apenas aos nossos melhores níveis de exigência - o que torna provável seja erroneamente tomado como uma obra apenas de fina cinematografia, quando é também popular. O filme é baseado na novela de Vassili Vassilikos, relato [levemente] romantizado do assassinato, em 63, na Salônica, de Gregários Lambrakis, professor de medicina da Universidade de Atenas, líder das forças que se batiam contra os mísseis Polaris na Grécia. Há uma aclimatação para se gerar um processo democrático, porém a investigação do caso se faz com relutância pelo governo, descobrindo de uma trama envolvendo altos oficiais comprometidos com uma ala secreta direitista. No decorrer do escândalo o governo grego caiu e os homens, moral e diretamente responsáveis pelo assassinato, foram julgados. Quatro anos depois explodiu um golpe de Estado militar quando quase todos os envolvidos com o assassinato foram devidamente reabilitados".
E se a construção do filme, com flash-backs e uma montagem perfeita, que só valoriza as imagens de Raoul Coutard, vai criando todo um envolvimento dramático no espectador, ao final, com as informações (corretas) do que ocorreu com os personagens da estória - e por último a relação de obras e autores proibidos na Grécia, durante os anos de ditadura, após 1967, faz com que a emoção seja bem mais intensa. Outros filmes políticos, inquietantes - como - "Saco & Vanzetti" e "Queimada" (estréia na próxima semana) já estão voltado às telas, mas "Z", por toda uma série de razões, será, sem dúvida, o grande momento do cinema de reflexão e pensamento, neste ano de 1980 - 12 anos após sua realização.
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