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Pavilhão, a linguagem esquecida que volta.

José Maria Santos, 47 anos de idade, 25 de vida teatral, um dos poucos homens a viver exclusivamente de seu trabalho nos palcos, decidiu assumir totalmente sua condição de comediante. Ator de fácil comunicação, que há 9 anos consegue lotar espaços com o monologo "Lá", de Sérgio Jockymann, Zé Maria decidiu ficar apenas na comedia, em termos de interpretação. Vai entrar 1981 com apresentações de "Lá" em varias cidades do Sul, repetindo, de certa forma, o que grandes atores do passado conseguiram por décadas: manter monólogos em repertório, sempre com aceitação popular. Dois exemplos: Procopio Ferreira com "Deus Lhe Pague" de Joracy Camargo e Rodolfo Mayer com "As Mãos de Euridice" de Pedro Bloch. Por que, o bom Zé não pode fazer o mesmo com o monologo do gaúcho Jockyman? Esta semana, José Maria Santos trabalha na direção de mais uma apresentação do II Ciclo de Leituras Dramáticas, programado para a próxima segunda-feira, dia 3 de novembro: "Vidas Amargas", de Irineu Adami. Ao contrario da maioria das leituras realizadas anteriormente, desde que Marcelo Marchioro, hoje diretor de arte e programação da Fundação Teatro Guaíra e Zé Maria, como presidente da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais, idealizaram esta série, a de segunda-feira, no Guairinha, terá da montagem de um texto de um ator de pavilhão, admirável em sua simplicidade e honestidade. Irineu Adami pertence a uma raça em extinção: os atores formados em pavilhões, forma popular de levar espetáculos ao grande público e que durante anos teve inúmeras companhias, espalhadas especialmente no interior do Rio Grande do Sul. Nem circo, nem teatro - pavilhão, normalmente em zinco, nômade por pequenas cidades constitui uma linguagem artística que, a exemplo de várias outras, começou a desaparecer no momento em que q televisão passou a dominar. Se existem ainda no Brasil cerca de 500 circos, segundo levantamento oficial que chegou às mãos de Orlando Miranda, diretor do SNT, os pavilhões são raros. Restritos apenas a encenações de peças, geralmente lacrimogenicos dramas, os pavilhões foram fechados pouco a pouco e seus profissionais se fixaram em diferentes cidades. Só em Curitiba existem mais de 20 veteranos de pavilhões gaúchos, entre os quais o próprio Irineu Adami, há alguns anos funcionário da Fundação Teatro Guaíra, mas que eventualmente tem sido convidado por José Maria Santos para apresentar-se em peças. Sempre mostrando competência e responsabilidade. "Vidas Amargas", texto do próprio Irineu - o titulo lembra o clássico filme "East of Edem" (1954, de Elia Kazan), primeiro sucesso do ator James Dean (1939-1955) - é uma peça com todos os ingredientes do estilo pavilhão: sofrimento, dor, lágrimas, vilões e bons personagens. José Maria está procurando manter fidelidade ao espirito desta linguagem cênica, sem tirar a autenticidade. Tanto é que convidou para a leitura apenas atores e atrizes que, no passado, estiveram nos pavilhões que percorriam no interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina: Irineu e sua esposa Dirceia, Rafael Benvenutto, Didio Manfron, Hamilton Pereira e a Sra. Suzana Motta, esposa de um veterano ator de pavilhões - Abilio Motta e mãe de Lamartine Motta, ex-diretor executivo e administrativo da Fundação Cultural. Xxx Numa época em que um falso elitismo leva muitos a torcerem o nariz para manifestações populares, é válido independente dos resultados que cheguem ao palco - a iniciativa de José Maria Santos. E a leitura de segunda-feira, no Guaíra, merece ter a mesma atenção com que deslumbrados jovens aplaudiam na segunda-feira a estreia de "Cabaré Valentim" (hoje, última apresentação no mini-auditorio Glauco Flores de Sá Brito). Como bem acentuou a jornalista Malu Maranhão, em inteligente texto (não assinado) publicado na edição de ontem de O ESTADO, o espetáculo de Karl Valentim, dirigido por Buza Ferraz, é uma tentativa de mostrar um tipo de espetáculo muito comum na Alemanha do início do século. Avalizado por Bertolt Brecht, Valentim - um clown que antecipava o humor anárquico de Buster Keaton, Groucho Marx e mesmo Chaplin - é revisitado numa encenação esforçada, com bastante criatividade e valorizado especialmente por boas interpretações. Para quem acompanha a carreira de Ariel Coelho, mais um talento revelado pelo incansável Antônio Carlos Kraide, a breve temporada de "Cabaré Valentim", neste inicio de semana, tem especial significado: confirma ser hoje Ariel um dos melhores atores da nova geração. Com um tipo de físico forte, garra e estilo próprio embora lembrando, levemente, o Ary Fontoura de alguns anos passados. Ariel mereceu os maiores elogios por sua atuação em "Cabaré Valentim", que continua em cartaz no Rio de Janeiro, com bom público e excelentes críticas. Um estilo de espetáculo pouco comum no Brasil o show de cervejaria, típico da Alemanha dos anos 20 e que teve uma glamorização através do filme de Bob Fosse ("Cabaré", 1971) e, "made for tourist" é ainda mantido em cervejarias da Baviera, a sucessão de quadros de Karl Valentim, adaptados obviamente na tradução do próprio diretor, oferece momentos interessantes, embora, em nosso entender chegue a cansar no final. Mas a versatilidade do elenco - Ariel, Caique Ferreira, Gilda Guilhon (excelente), Nena Ainhoren, Luiz Felipe Ribeiro e os músicos Chico Sérgio e Ricardo Pavão - e o sentido de informação que o espetáculo busca passar, torna recomendável que o publico interessado compareça. Aliás, após a temporada de Denise Stocklos, com seu show de mímica, e paralelamente a esforçada criação coletiva "Dos Seios Desta Mãe Gentil" (auditório Salvador de Ferrante, 21,30 horas), senta-se no teatro paralelo, sem as plumas & paetês de Paulo Autran et caterva, uma vitalidade que ainda pode justificar algumas esperanças. Entre todos os defeitos e falhas que espetáculos paralelos possam apresentar - inclusive de recursos de produção, com a mediocridade e pretensão (leia-se: caça-níquel da classe A) estilo "Pato com Laranja" ficamos com o pessoal jovem. Ou então com os veteranos dos pavilhões, como os reunidos por José Maria na leitura de "vidas Amargas", que antecipadamente pisa nos palcos pensando no texto e no público.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
9
29/10/1980

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