Quando o humor chega à música
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de maio de 1989
Em suas irreverências, o músico Carlos Careqa (com "qa") e Hélio Lates - este o idealizador da ASSINTÃO - Associação Internacional dos Colecionadores de Botão - andaram distribuindo há algumas semanas mais uma brincadeira - produzido por uma imaginária Igreja da Salvação pela Graça - ISPG - "Deus é Amor", apresentavam um disco sem gravação com "composições" das mais irreverentes: "São Trinta e Dois - Ejaculatória", "Morederice", "Marcha do Partido do Botão do Brasil" e "É uma Bomba...".
Seria ótimo se houvesse música. Mas não há, porque simplesmente não há disco: apenas um papelão, no formado de um compacto duplo. As letras vêm num encarte mimeografado, com toda gozação possível.
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O humor dos curitibanos Careqa e Lates, personagens populares em alguns meios da cidade, ganharia muito de houvesse possibilidade de gravarem suas brincadeiras sonoras. Talvez agora, com Romário Boreli, do estúdio Álamo - instalado nas margens do parque do Barigui e abrindo suas portas para o pessoal da terra (está preparando nada menos que seis elepês para lançar ainda neste semestre) fosse possível viabilizar um projeto audiovisual com os jovens desta Igreja da Salvação pela Graça.
Afinal, se há algo que tem estabelecido muitas conexões musicais é o humor. Desde o pioneirismo do americano Spike Jones - desconhecido das novas gerações, mas que nos anos 50 era um dos maiores sucessos no rádio e televisão nos Estados Unidos - até a irreverência do pessoal da Casseta Popular / Planeta Diário, muitas experiências de colocar em ritmo musical o bom humor foram feitas.
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Spike Jones é, infelizmente, desconhecido do público mais jovem, embora no início dos anos 60 alguns de seus discos tenham chegado ao Brasil (nos EUA é possível encontrar dois vídeos com seus melhores momentos na televisão dos anos 50). Líder de uma excelente orquestra, Spike Jones fazia misérias nas suas apresentações, utilizando os mais diferentes utensílios na percussão, inclusive revólver - com cujos tiros "regia" seus músicos. Spike fez escola e entre os seus discípulos estão os Les Luthiers, criativo grupo musical anárquico, surgido em Buenos Aires há alguns anos e que chegou a fazer até uma apresentação no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto há alguns anos. No Brasil, os grupos Rumo e Premeditando o Breque, também parecem ter bebido da mesma fonte.
Individualmente, muita gente seguiu o humor - como Zé Vasconcelos - cujo "Eu Sou o Espetáculo", em elepê, pela Odeon, lançado há 27 anos, foi um dos discos mais vendidos durante anos - seguindo-se vários volumes. Zé Trindade, Victorio, Zé Fidelis e até os Titulares do Ritmo - com uma versão pornô de "Xótis das Meninas" (Luiz Gonzaga / Zé Dantas, 1953) fizeram muita gente rir às bandeiras despregadas.
Nos últimos anos, humoristas populares da televisão - como Chico Anísio e Jô Soares - fizeram experiências em discos, com um humor bem mais debochado (e menos censurado) daquele que apresentam no vídeo. Aliás, em termos de deboche pornô, ninguém bate Costinha e Dercy Gonçalves, veteraníssimos e que também tiveram suas gravações, através de selos menores, emplacando boas vendas.
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Nos últimos anos, as vertentes mais criativas do humor musical saíram do Grupo Rumo, que começando alternativamente como produto do hoje desaparecido Lira Paulistano, fez uma carreira segura ao ponto de acabar premiado na promoção da Sharp, com um belo disco, bem humorado, dedicado ao público infantil. Já o Joelho de Porco, que há anos está na praça "sem nenhum sucesso" como diz o seu líder Zé, é outro exemplo de um humor sonoro.
Os roqueiros, em sua busca temática, têm apelado para o humor - acrescentando muita ironia social e até crítica política, o que, aliás, é tema para outro comentário, qualquer dia destes.
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