A rainha soja pode perder o seu trono
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de fevereiro de 1990
Com a experiência de 20 anos na área do planejamento econômico e urbanístico, os técnicos Alceu Carnieri, 42, e Alberto Paranhos, 41, ambos da turma de 1969 da Universidade Federal do Paraná, vivência em projetos internacionais como consultores do Banco Mundial em vários países (Colômbia, Honduras e, mais demoradamente, na Bolívia) preocuparam-se em fazer nas diretrizes para o desenvolvimento dos municípios lindeiros de Itaipu algumas observações que soam como verdadeiras advertências que merecem reflexões dos que têm o poder político-administrativo.
Por exemplo, a economia primária da região está calcada principalmente no trinômio soja-milho-trigo. "Entretanto, essa produção é basicamente colhida e remetida in natura ou com pequeno beneficiamento para os pólos nacionais e mesmo para o Exterior", diz o estudo.
É conveniente alertar para os riscos dessa dependência econômica. Os grandes compradores de nossa soja são a Europa e os Estados Unidos. Ora, a Europa está começando a plantar soja e as atuais (e poucas) restrições alfandegárias intraeuropéias serão totalmente abolidas em 1992. A tendência européia é a de se auto-abastecer desse grão. Os Estados Unidos também têm programas de incremento para a produção de soja, o que vai significar, mais dia, menos dia, na diminuição da importação. Mesmo no Brasil, está havendo uma expansão acentuada da cultura da soja, como por exemplo na Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Tocantins.
Por outro lado, o rendimento da cultura paranaense de soja é bastante alto, na ordem de 2.000 kg/ha, semelhante à produção argentina, enquanto no Paraguai é um pouco menor, no Mato Grosso do Sul é da ordem de 1.770 kg/ha, e em Santa Catarina não ultrapassa 1.300 kg/ha. Um esforço de melhoria na produtividade dessas regiões já seria desvantajoso para o Paraná.
O único ponto positivo é a tendência de aumento no consumo interno de soja no Brasil. Havendo um incremento desse consumo, fica parcialmente respaldada a produção regional do Oeste. Mas o estudo adverte: "Ainda assim, é prudente se começar uma ampla pesquisa de culturas alternativas, buscando oportunidades do mercado nacional e internacional. Aparentemente, as alternativas de algodão e fruticultura, com incremento do milho, poderiam ser uma compensação interessante, mas precisam ser avaliadas com critérios técnicos, econômicos (incluindo mão-de-obra envolvida, industrialização potencial e área requerida), financeiros (montante dos investimentos requeridos e fontes possíveis) e geopolíticos (não recomeçar uma outra dependência onde possamos ser afetados e saber aproveitar politicamente a importância da contribuição da região em alimentos e produtos essenciais)".
Durante a elaboração do projeto a equipe ressentiu-se bastante da falta de uma informação geográfica e cartográfica sistematizada mais condizente com o porte e a importância da região. Apesar da Itaipu Binacional ter adquirido recentemente fotos de levantamento obtidas por satélite, é fundamental a produção de elementos cartográficos para as áreas urbanas e as margens do lago. Isso implica em uma cobertura aerofoto-gramétrica e a sua devida restituição para a elaboração de futuros mapas cadastráveis e urbanos. Essa diretriz é indispensável para embasar estudos e projetos mais detalhados - e pré-requisito para o detalhamento das diretrizes urbanas locais.
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Através das observações que estamos publicando ficou claro que o potencial da região, tanto em termos turísticos como comerciais, é imenso. Além disso, a Ferroeste - obra que embora ainda em estágio inicial deverá se concluir nos anos 90 - e outros corredores de transporte também virão colaborar na implantação de novas agroindústrias vinculadas aos grãos produzidos nas regiões atendidas pelos corredores.
Todas essas atividades são tradicionalmente destinadas à iniciativa privada e é da maior importância que o empresariado local se conscientize de suas potencialidades e oportunidades. O economista Alberto Paranhos, com sua experiência de consultor internacional - (há um ano retornou a Curitiba para assumir a supervisão de informações do IPPUC, mas está sendo insistentemente chamado para voltar a atuar em projetos do Banco Mundial e das Nações Unidas em várias partes do mundo) faz uma colocação que merece ser pensada.
- "Vivemos uma época em que, por um lado, a sociedade não deseja o aumento da presença do poder público em atividades que podem ser privadas, e os próprios empresários se apegam fervorosamente a esta bandeira.
Entretanto, é necessário que eles ocupem esse espaço e invistam no aproveitamento dos recursos potenciais da região. Existe uma razoável capacidade de investimentos no empresariado local, que pode ser complementado pelos recursos do Fundo Especial que propomos em nosso estudo (Nota do colunista: e que será detalhado na edição de amanhã) com um evidente retorno. Não é mais possível ficar aguardando que o poder público faça tudo: só fazendo seus próprios investimentos é que a iniciativa privada adquire o direito moral de exigir outros investimentos públicos".
O economista Alceu Carnieri lembra exemplos ilustrativos: a soja produzida na região não tem esmagamento nem refino; o trigo é escoado totalmente "in natura", controlado pelo cartel nacional; o algodão, cultura nova na região, não tem nenhum beneficiamento (fiação, têxtil, confecções).
Também integrante da equipe de consultores da área econômica, a arquiteta Eleny Costa, que já havia participado como consultora em projeto internacional na Bolívia, mostra outro exemplo importante:
- "O enorme complexo hoteleiro de Foz do Iguaçu - e, no futuro, de outras cidades, incluindo principalmente Guaíra, terá certamente demanda de amplo leque de suprimentos diários, com sabonetes, pequenos objetos para conforto dos hóspedes e outros componentes rotineiros que poderiam ser atendidos localmente se houvesse fabricação dos mesmos na região".
Nesta mesma linha de raciocínio, a Itaipu Binacional está concluindo a construção de uma Marina em Guaíra, mas até agora não houve nenhuma movimentação no sentido de definir a forma de operação desse equipamento e de transformá-lo na nova atração turística e promocional da cidade.
Resumindo: o empresariado local, coletivamente, é quem tem que tomar a iniciativa de promover o marketing da região, independentemente do governo, mesmo que associado a este.
LEGENDA FOTO - Paranhos: os riscos da monocultura da soja.
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