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Aramis

"Splendor", a crônica da última sessão de cinema

Se o cinema é a indústria dos sonhos iluminados projetados na tela branca, "Splendor" é mais do que um filme: é o próprio sonho. Em torno deste filme não deveria haver críticas, ou releases: ou no máximo um poema tão profundo quanto aquele que Carlos Drummond de Andrade dedicou a Carlitos. "Splendor" é magia do início ao fim. Um filme para quem ama o cinema, sua simbologia, seu folclore. Em tudo a simplicidade: a história de um cinema - o Splendor, de uma pequena cidade da Itália, inaugurado nos anos 30, em plena ascensão do fascismo. Jordan (Marcelo Mastroianni), seu proprietário, filho de um caixeiro-viajante das imagens que, no início do século, levou a usina dos sonhos em projeções de cidade em cidade. Luigi (Massimo Troisi), o projetista que vive e envelhece com o cinema. A francesa Chantal Duvivier (Marina Vlady), que chegou à pequena cidade como dançarina, apaixonou-se pelo então jovem Jordan e ficou ao seu lado, como bilheteira e indicadora. Há Cocomero, crítico de cinema (Ferruccio Castronuovo), Giovanna - a irmã de Jordan (Benigna Luchetti), o vilão Don Arno (Vernon Dobtcheff) - que a proporção que cinema entra em decadência, tenta, de todas as formas, adquirí-lo para construir um edifício comercial. Sonhos do Passado - São personagens fascinantes e universais. Splendor poderia ser o Ideal, o Bijou, o Odeon, o Pathé, o Broadway, o Avenida, o Ópera, o Trianon ou qualquer outro título iluminado das marquises dos cinemas da infância de todos nós. No interior da Itália ou numa cidadezinha paranaense - ou na Curitiba dos anos 30 e 40, o cinema trazia o mesmo encanto, a mesma magia - em suas telas. O programa de ir ao cinema nas sessões dominicais. O escurinho para os namorados. Os filmes tamanho-família. As grandes emoções. Assim, é empatia, emoção e sensibilidade que se vê nas imagens deste filme que o perfeccionista Ettore Scolla realizou em 1988 e que conquistou Cannes, num festival em que concorria também outro filme sobre o mesmo tema - "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore, - que acabou sendo premiado pelo júri e que, em 26 de dezembro último, valeu ao seu principal intérprete, Philip Noiret, o troféu Felix - o Oscar do cinema europeu - como melhor ator. "Novo Cinema Paradiso", em disitribuição da Fox, já está em cartaz anunciando sua próxima exibição no Cine Bristol - que foi Hauer, que foi Marabá. Splendor, em distribuição da Warner, teve sua primeira exibição pública durante o VI Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão, em Fortaleza, num espaço dos mais apropriados - o cine São Luiz (*). Uma platéia emocionada que chegou às lágrimas vendo este filme emoção, todo empatia. Assim como Peter Bojdanovich fez há 19 anos em "A Última Sessão de Cinema" - numa crônica maravilhosa da relação de personagens de uma pequena cidade do Texas e o cinema da cidade em seus derradeiros dias, e que Woody Allen colocou com tanta ternura em sua obra-prima "A Rosa Púrpura do Cairo" (1985), com a ingênua Cecile indo tanto ao cinema que um dia o galã de uma aventura sai da tela - também "Splendor" - e por cento, "Cinema Paradiso" - trazem esta relação de passado, sonho, fantasia. Não esquecendo também o cine Royal - no qual a pianista Celest Beaumont (Monique Sapziani) tem em "Doces Sonhos do Passado" (Les Portes Toumantes, 88, de F. Mankiewicz) os seus maravilhosos dias dourados de sonhos e ilusões. A magia Splendor - é simples, eterno. Narrado em flash-back, conta a história do cinema de Jordan - de seus dias de glória, casas lotadas, ao melancólico final - esvaziado pela concorrência da televisão e do vídeo - e só mesmo na pornografia é atração para um público diverso daquele chic, requintado e de bom gosto que o freqüentava em seus dias de casas lotadas. Junto com Fellini, Ettore Scolla é o grande poeta do cinema italiano. Como diretor de "A Estrada", Scolla também faz desenhos das cenas que leva à tela - e algumas delas, com exclusividade ilustraram este texto. "Splendor" é um filme que poderia ser assinado por Fellini: a mesma emoção, a mesma sensibilidade de suas múltiplas obras-primas estão aqui - nesta crônica de um cinema do interior, que pela empatia é universal. As últimas sessões de cinema repetem-se melancolicamente em dezenas de países. O Concine não tem uma estatística segura de quantos cinemas fecharam no Brasil, nos últimos 20 anos, mas, seguramente, foram centenas. Os vídeos, em seu aparente conforto, substituem (substituem?) a informação dos cinemas - mas não têm a mesma emoção. Splendor, com seus ternos personagens, seu humor tão italianos e, sobretudo, situações de 15 filmes que marcaram o cinema (**) nestes últimos 40 anos, faz o espectador viajar pelo tempo. Uma obra maravilhosa da usina dos sonhos - que embora sem data de lançamento no circuito nacional - fará todos que amam o cinema viverem momentos de maior emoção. Observações (*) Inaugurado em 1956, com "Anastasia - a Princesa Esquecida", o Cine São Luiz, em Fortaleza, de Luiz Severiano Ribeiro, é o exemplo da era dourada dos cinemas: hall e banheiros em mármore, belíssimas decorações interiores, platéia e um balcão - num prédio muito bem conservado e que já sediou duas edições de Festival de Cinema Brasileiro e agora o Fest-Rio-Fortaleza. (**) Como citações, Scolla utilizou fragmentos dos filmes "Amarcord" (Fellini), "A Batalha da Argélia" (Gillo Pontecorvo), "A Noite Americana" (Truffaut), "Aquele que Sabe Viver" (Dino Risi), "De Punhos Cerrados" (Marco Bellocio), "A Grande Guerra" (Mário Monicelli), "A Felicidade não se Compra" (Frank Capra), "Metropolis" (Fritz Lang), "Playtime" (Jacques Tati), "Sciopione, o Africano" (Carmine Gallone), "A Árvore dos Tamancos" (Ermano Olmi), "Morangos Silvestres" (Ingmar Bergman) e "Z" (Costa-Gravas). Na versão para a Itália, aparecem também seqüências de "La Cena Delle Beffe" (Alessandro Blaseti) e "Milagre em Milão" (Vitorio de Sica). Identificar estes filmes, durante a projeção de "Splendor" é um prazer a mais para os cinéfilos. LEGENDA FOTO - Scolla, um canto de amor ao cinema. (página 4) LEGENDA ILUSTRAÇÃO 1 - Ilustrações de Ettore Scolla para "Splendor" - um filme maravilhoso sobre um cinema - dos dias de glória ao seu fechamento. (página 5) LEGENDA ILUSTRAÇÃO 2 - Uma caricatura do próprio Scolla sobre Marina Vlady, atriz francesa, que há anos não aparecia em um novo filme. (página 6)
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
21/01/1990

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