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Aramis

Tess, o pecado da beleza demais

Há duas semanas que a estréia de "Os Contos de Canterbury", 1973, de Passoline, vem sendo adiada por uma razão óbvia: as rendas de "Tess" (Cine Astor, 3 sessões) aumentam a cada fim de semana, com todas as sessões lotadas. Já há mais de um mês em exibição, o êxito deste filme de Roman Polanski confirma que o romantismo continua a ser uma grande atração para milhares de pessoas. A dramática estória da jovem humilde, Tess D'Uberville (Natascha Kinski), que é engravidado pelo primo rico, recusada pelo marido na noite de núpcias e sofre o pão-que-o-diabo-amassouo, até o reencontro com o bem-amado para um final na melhor tradição lacrimogênica, já seria o suficiente para garantir sessões lotadas durante várias semanas. Ocorre que apesar de ter ingredientes dignos de um folhetim dos tempos que Glória Magadan e Félix Canet dominavam os horários das novelas, "Tess" é um filme inteligente, criativo e belo. Extremamente bonito, talvez um dos mais bonitos, em termos plásticos, filmes do cinema mundial nestes últimos anos. O romance que Thomas Hardy (1840-1928) escreveu há exatamente 110 anos mesmo não tendo alcançado o mesmo êxito de "Judas, O Obscuro" (cuja filmagem é um sonho revelado de Walter Clarck), já emocionou várias gerações. David O. Selznick (1902-1965), o Tyccon de Hollywood nos anos 30/40, confessou que dois grandes romances o tentavam para filmar: "E o Vento Levou" (Gone With The Wind, 1936), de Margareth Mitchel (1909-1949) e "Tess D'Urbevilles". .O primeiro, Selzenick conseguiu filmar entre 1938/39, tornando-o por 30 0anos a fita de maior êxito da MGM. "Tess" levou mais de 30 anos para chegar à tela. xxx Há mais de dois anos que, em diferentes publicações ("Atenção", "Quem", aqui mesmo em O ESTADO) temos chamado atenção para um detalhe que confere a "Tess" uma ligação regional. Thomas Hardy faz com que o personagem masculino central de sua telenovela, Angel Claire, viajar para o Brasil, após Tess lhe revelar que não era mais virgem e tinha sido mãe solteira, porque, na época, havia ficado impressionado com a leitura de um relato da viagem feita por um engenheiro inglês ao Brasil, Thomas Plantagenet Bigg-Wither (1845-1890), como integrante da Parana and Mato Grosso Survey Expedition, entre 1872/75), percorreu demoradamente alguns Estados do Brasil, especialmente o Paraná. De volta à Inglaterra, em 1876, Bigg-Wither publicou "Pioneiring in South Brasil" (2 volumes, edição de John Murray, com mapas e ilustrações), onde relatou, com amplos detalhes, a vida no Paraná, onde esteve entre junho de 1872 a abril de 1875. Particularmente, mencionou a frustada experiência de implantação de colônia de ingleses em Assunguy, há pouco mais de 60 km de Curitiba. Assim, no romance (editado no Brasil em 1960, pela Itatiaia, com o nome de "A Indigna", e agora reeditado como "Tess"), a passagem de Angel Claire é mencionada, mesmo que rapidamente. Ao roteirizar o romance, num trabalho desenvolvido com colaboração com Gerard Brach, e John Brown John Polanski apenas cita o Brasil, por 3 vezes, para explicar a ausência de Angel Claire. Cada vez que aparece o nome do Brasil, o público ri (com sempre ocorre, aliás, cada vez mais o nosso país é lembrado num filme estrangeiro, normalmente como um país longínquo, ideal para criminosos se enconderem. Mas neste caso a citação não é gratuita: está no romance de Thomas Hardy, que para situar a curta ação do personagem em nossas terras, se baseou no relato feito por Bigg-Wither. A guise de curiosidade, convém recordar: embora o professor David Carneiro, o mais ilustre historiador do Paraná, tenha sido o primeiro intelectual brasileiro a fazer menção à importante obra de Bigg-Whitter ainda nos anos 40, só em 1974, quando o professor e crítico Temistocles Linhares, 75 anos, dirigia o então recém-criado setor de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, conseguiu publicar a tradução (com notas introdutórias) que fez da obra, num lançamento em convênio com a José Olympio ("Novo Caminho no Brasil Meridional: A Província do Paraná", coleção Documentos Brasileiros, volume 162, 418 páginas). xxx Tais detalhes, embora insignificantes em termos de apreciação do filme que há 5 semanas encanta milhares de curitibanos e que já rendeu mais de Cr$ 5 milhões só em Curitiba (nos Estados Unidos e Europa, também foi grande o sucesso), tornam-se importantes de serem lembrados mais uma vez. Assim como é curioso que para um cineasta que sempre procurou temas fúnebres e sinistros em seus filmes - como a morte, a violência e o sobrenatural, como Polanski, hoje aos 48 anos, tenha conseguido realizar uma fita tão terna e visualmente bela como este "Tess". Com toda emoção, o filme é dedicado a Sharom (Tate, 1940-1968), sua esposa por quase 2 anos e que foi quem lhe deu um exemplar de "Tess D'Urbevilles", pouco antes de ser assassinada pelo bando do fanático Charles Manson, numa das mais trágicas chacinas dos anos 60. Em 1978, após ter problemas dos Estados Unidos, onde havia realizado o elogiado e premiado (Oscar e Roberto Towner, como melhor roteirista) "Chinatown" (1974), Polanski fugiu para a França (na Califórnia, está condenado à prisão por ter seduzido uma menor na mansão de seu amigo Jack Nicholson). Na Europa, o primeiro projeto foi uma refilmagem de "O Furacão" (Hurricane, da novela de Charles Nodhof/James Norman Hall, levado pela primeira vez à tela em 1937, por John Ford), mas que acabou sendo realizada por outro diretor, para o produtor Dino de Laurentis. A idéia de um filme de aventuras, "The Pirates", também foi cancelada e então Polanksi se voltou à produção de "Tess", realizado com inúmeras dificuldades: os recursos garantidos pelos produtores Jean-Pierre Rassam, e Paul Maigret, estouraram e só com socorro dos amigos Francis Ford Coppola e George Lucas, da Zoetrope Productions (agora à beira da falência), o filme pode ficar pronto a tempo de ser apresentado em Cannes, em maio de 1979 e, no mesmo ano, receber o "Cesar", espécie de Oscar do cinema francês. No ano passado, "Tess", estreou nos Estados Unidos, rendeu milhões de dólares e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em março último, perdendo, entretanto, para a produção soviética "Moscou Não Crê em Lágrimas" (que a Carybe Comunicações lançará em breve no Brasil). xxx Se há 33 anos, Selzenick teve inúmeros problemas na rodagem de "E O Vento Levou", documentado em uma dezena de obras a respeito, também Polanski poderá fazer um relato de com "Tess" foi realizado. O fotógrafo Geofrey Unsworth (1919-1978), morreu em outubro de 1978, nas primeiras seqüências feitas na Normandia e Bretanha. A substituição pelo francês Ghislain Cloquet não prejudicou em nada: as imagens de "Tess" são perfeitas, perfeitas demais no entender de alguns críticos, que não sabem aceitar o belo simplesmente. Há um tratamento de cenários, de figurinos (de Anthony Power, premiado com o Oscar-81), de enquadramentos, que faz com que cada seqüência, ou mesmo alguns fotogramas de "Tess" adquiram uma postura de quadro digno de figurar numa exposição do Louvre. A beleza não fica vazia, como acontece com tantos filmes, Polanski liberto dos demônios que o faziam ver o mundo de forma tão negra, nas obras seguintes ao assassinato de Sharon, como a versão anarquista de "Mac-Beth" (1971, financiada por Hugh Heffner). "Chinatown" e, especialmente, "O Inquilino" (Le Locataire), rodado em 1976, em Paris, e onde voltou a atuar como ator (em 1967, em seu primeiro filme nos EUA. "A Dança dos Vampiros", foi ator-diretor, quando conheceu e se apaixonou por Sharon). Em todos os seus filmes, Polanski não deixa de colocar um traço pessoal, uma visão social e, causou polêmica a citação de "O Capital", do velho Karl Marx como uma das leituras de Angel Claire. Este personagem não resistiria a uma revisão de ordem política, mas o seu comportamento melodramático machista, conservador, - repudiando a esposa por ela não ser virgem, dá o filme um "approach" para suportar muitos debates. Em nenhum instante, Polanski pretendeu fugir da função básica a que se propôs: contar uma estória da época.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
15
04/10/1981

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