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Um Chico Mendes julgado na competição dos curtas-metragens

Fortaleza - Como eficiente assessor da Embrafilme, o jornalista Sebastião França, faz questão de contar a boa notícia: por determinação do ministro José Aparecido de Oliveira, da Cultura - após ouvir o apelo do secretário René Dotti (de quem França foi assessor especial por seis meses) a Fundação do Cinema Brasileiro vai agilizar a sua participação para que os quatro curtas-metragens, co-produzidos pelo governo do Paraná, sejam, enfim, finalizados. Não é sem tempo. Se ao menos um dos curtas que receberam há mais de uma ano auxílio da secretária da cultura tivesse sido concluído, o Paraná poderia ter participado do XXII Festival de Brasília e mesmo neste VI FestRio, que ontem se encerrou na Capital cearense. Afinal, Fernando Severo ("Longas sombras no fim da tarde") , Fernanda Moriti ("A loura fantasma") e Palito ("Lápis") já rodaram há muito os seus filmes mas esbarraram na finalização, apesar da montagem estar sendo feita na moviola que Valêncio Xavier conseguiu, afinal, comprar para o MIS-PR (o curta dos Irmãos Wagner, "A flor", sendo de animação, terá acabamento mais demorado). Em 1988, com seu "o mundo perdido de Kozak", em 16 mm, Severo acumulou premiações em todos os festivais dos quais participou e, quem o conhece pelo seu rigor (inclusive crítico, em termos de apreciações de trabalhos de colegas) espera que seu novo curta, ficção, rodado no litoral paranaense e livremente inspirado num conto de Cortazar, reúna condições de aparecer bem nos festivais a que for levado. A participação de cineastas regionais em festivais é importante, os gaúchos que o digam, pois com "Ilha das flores", de Jorge Furtado - o melhor curta deste ano - tem, seguramente, condições de fazer bonito no festival de Berlim, em fevereiro de 1990, onde deverá participar na mostra oficial. E a julgar pela amostragem internacional reunida para a competição de curtas-metragens apresentados em Fortaleza, os curta-metragistas brasileiros não têm do que se envergonhar. A rigor, o nível dos 12 curtas estrangeiros foi apenas regular, enquanto o Brasil mostrou ao menos um excelente curta - o já premiado "Dov" e "Meneghetti", do paulista Beto Brant, que só não ficou com mais premios em Gramado porque ali teve que enfrentar "Ilha das flores" - unanimemente reconhecido como uma obra prima. Curtas pelo amor de Deus - Há três anos, quando fizemos parte do júri de curtas-metragens do II FestRio, o nosso colega Paul Leduc, cineasta mexicano ("México insurgente", "Frida" e "Barroco", este apresentado agora em mostra informativa) perguntou ao crítico Ronaldo Monteiro, da comissão organizadora, como havia sido feito o processo de seleção dos curtas. "De Joelhos" respondeu Ronaldo, explicando a dificuldade de se conseguir curtas, com o máximo de 15 minutos, para participarem da parte competitiva. As dificuldades continuam, nos explicava na sexta-feira, Ronaldo: -"O conceito de curta é diferente na Europa e Estados Unidos, onde filmes de até 40 minutos entram nesta categoria". Outro problema é encontrar produtores de curtas dispostos a inscreverem seus filmes com cópias legendadas. Como raciocina Ronaldo Monteiro, experiente crítico e ex-diretor da cinemateca do MAM-RJ: - "Se os longas quando não são comercializados, ao serem legendados já têm uma cópia desperdiçada, imagine se o produtor de um curta estaria disposto a fazer tal investimento." Assim, a opção é tentar conseguir filmes que independam de legendas: cinema de animação, desenhos e mesmo documentários nos quais as imagens sobreponham-se a palavra, podendo ser projetados em suas versões originais. Só isto pode justificar que "Energie d'une passion", representando a França, tenha sido aceito. Dirigido por Christian de Constanze, este curta que exalta os esportes que exigem mais de homens do que das máquinas, parece um comercial dos cigarros Hollywood e jamais teria classificação para um festival que preza os curtas como o de gramado. Em compensação o segundo representante francês, "La porte-plume" (O tinteiro), de Maria Christine Perrodin, é suave: durante uma aula de desenho, um garoto deixa-se levar por sua fértil imaginação e as figuras criam vida. Uma das poucas surpresas foi o curtíssimo "Happy birthday", no qual o realizador alemão Horst Schier, 51 anos, desenvolve toda a "ação" de uma orquestra cujos membros consistem em mãos pintadas, criadas e "tocadas" pelo Florentino Mário Mariotti. Ele apresenta uma serenata sobre a mundialmente conhecida "Parabéns pra você", numa forma diferente de fantoches na ponta dos dedos. Com uma tradição de 50 anos na área do cinema de animação, - comemorados aliás com um curta-metragem que recebeu a palma de ouro em Cannes neste ano e, na noite de abertura, antecipou ao longa "Sociedade dos mortos", o Canadá inscreveu um desenho tradicional, quase decepcionante para uma instituição que tem uma obra tão grande como National Board. "Le colporteur" (O camelo), realizado por Claude Cloutier, nascido em Montreal, 32 anos, vindo de experiências em revistas de quadrinhos ("La legende des Jean Guy", "Gilles le jungle"), parte da idéia de comparar um mosquito que não pára de ficar zumbindo com um vendedor ambulante insistente. "Muzne Hry" (Futebol é para macho), do checo Jan Svankmajer, 55 anos, unindo animação e personagens ao vivo, desperdiça uma boa idéia: satirizar o "futebol-massacre". O exagero na violência torna o curta desgradável e cansativo. Outra decepção de curta socialista foi "Obatale", de Humberto Solas, documentando a música Yoruba, através do grupo Sinteis, de Cuba. Sem qualquer originalidade, limitando-se às filmagens do grupo musical é daqueles curtas que parecem longuíssimas metragens tal a mediocridade da realização. Chico Mendes Búlgaro - Pela primeira vez o cinema búlgaro esteve presente no FestRio. Dois curta-metragistas aqui vieram com seus curtas, Adela Peeva, 42 anos, uma simpática loira, que já realizou mais de 25 filmes, trouxe "Staro Zlato", ("Ouro velho"), documentário convencional sobre Tio Georgy, um descendente de cinco gerações de ourives e que tem trabalhos no Tesouro Nacional. Tendo abandonado a arte familiar é hoje pastor de ovelhas e explica as razões, fazendo críticas a intervenção das cooperativas no trabalho dos artesãos. Válido como informação vinda de um país praticamente desconhecido em sua arte e cultura no Brasil, o filme é acadêmico. Em compensação, o segundo curta búlgaro foi a melhor surpresa estrangeira: "A floresta de Popov" ("Cherti of Zhivota"), a exemplo de "Ouro velho" legendado em português, deveria ter mais exibições pois sua temática tem enorme atualidade. Andrei Kolev, 34 anos, autor de muitos curtas e atunte nos Estúdios Vrme, em Sofia, conta a trajetória de um personagem real que lembra muito o brasileiro Chico Mendes. Vasil Popov (1879-1912), engenheiro e guarda florestal, foi um dos maiores defensores das florestas de seu país, especialmente da chamada Magna Silva Bulgarika. Denunciou a devastação que se fez no início do século - apesar do soberano na época, o rei Ferdinando, apreciar florestas (mais como reservas para os animais que adorava caçar) e foi perseguido duramente: teve 30 remoções e 6 demissões, acabando assassinado - num crime que ficou sem a punição dos culpados. Andrei Kolev, que pela primeira vez veio a América Latina, interessou-se em saber de detalhes em torno de Chico Mendes - cuja ação em defesa da floresta amazônica, 80 anos depois, também lhe custou a vida. Um curta como "A floresta de Popov" teria um excelente circuito de exibição especial junto às entidades preservacionistas - e será lamentável que o filme volte a Bulgária após a sua única exibição aqui em Fortaleza. LEGENDA FOTO - A sensual Valeria Fraschini, que estreou em "Jardim de Alah" (na mostra informativa nacional) e acaba de rodar "Santa Dica", em Goiás, tem o principal papel feminino no curta "Amiga de Fé", de Bia Werneck, que concorre pelo Brasil.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
03/12/1989

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