Um soporífero debate de vazias colocações
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de setembro de 1986
Ao desligar a televisão, às 2h20min da manhã de segunda-feira, após assistir ao Grande Debate dos candidatos ao governo do Paraná, a sensação do eleitor era, no mínimo, de ter visto apenas um longo e maçante programa do TRE - só que reunindo, num mesmo espaço, os sete postulantes a sucessão de João Elysio.
Amorfo, cinzento - apesar do cenário azul - e sem qualquer pique capaz de despertar maior interesse dos milhões de telespectadores que o aguardavam, o debate foi frustrante. Contidos na camisa-de-força de rígidas normas de horário e ordem dos debates, com uma democrática distribuição de oportunidade a todos os candidatos, frustrou-se justamente pela impossibilidade dos candidatos de melhores condições de disputarem o governo poderem expor suas idéias, propostas e também levantarem as questões pelas quais há natural interesse popular.
Se o deputado Alencar Furtado, em sua coragem e estilo que lhe é característico, iniciou acusando o ex-govenador José Richa e o senador (e candidato) Alvaro Dias de traidores - a quem nutre maior desprezo do que aos homens, que no passado, foram responsáveis por sua cassação política, aquilo que poderia levantar a temperatura foi se esvaindo na proporção em que candidatos meramente simbólicos ao governo do Paraná - Teolindo Mendonça (Partido Municipalista Comunitário), Banerjo Branco(Partido Humanista), Carlos Alberto Pereira (Partido Democráta Cristão) e mesmo Alberto Garcez Duarte (Partido Social Cristão) faziam suas intervenções. Aliás, Garcez Duarte, bom orador e com uma presença tranqüila, foi um dos raros candidatos a insistir em aspectos importantes em relação ao desastroso governo José Richa - do escândalo dos dólares a não aprovação de contas de alguns órgãos pelo Tribunal de Contas. Questões que, num debate que tivesse um sentido mais direto, com menos intervenções e cortes, cresceriam, sem dúvida.
O próprio candidato das oposições Alencar Furtado - de quem se esperava uma presença mais agressiva - deixou passar uma excelente oportunidade de não só defender melhor o programa das rurbanas, idealizado pelo seu candidato a vice-governador, o arquiteto Jaime Lerner, como criticar o ex-prefeito Maurício Fruet. Isto porque, ao tentar reduzir a idéia das rurbanas como opção para fixar o homem na terra, o senador Alvaro Dias apontou as experiências realizadas em Curitiba como fracassadas por ocasião da posse da prefeito Roberto Requião, Entretanto, entre a implantação dos dois núcleos de rurbanas - Campo Magro e Roseira - e a posse de Requião, houve três anos de administração do PMDB, através do deputado Maurício Fruet - período em que propositalmente o programa foi esvaziado. Entretanto, este importante fato não foi lembrado por Alencar Furtado, ficando assim o telespectador menos informado com a sensação de que o fracasso das rurbanas ocorreu ainda na administração de Jaime Lerner, o que não é verdadeiro.
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Talvez pela justifícavel preocupação de manter um alto nível dos debates, os candidatos se
mantinham cautelosos, pisando em ovos em suas colocações. Especialmente Alvaro Dias - como representante do partido do governo - usou de toda técnica de bagre ensaboado para fugir das questões mais contundentes levantadas tanto pelos jornalistas como pelos outros candidatos. A questão rural - sem-terras, reforma agrária; a greve dos professores, a perda de representatividade do Paraná no campo político, o não cumprimento das promessas de palanque feitas pelo candidato José Richa em 1982 foram questões que não tiveram o aprofundamento necessário, confundindo, inclusive o telespectador. Até o messiânico candidato do PDC, Carlos Alberto Pereira , com suas citações bíblicas, não conseguiu - por falta de tempo - expor melhor escândalos, que envolveriam o sr. Silvio Dias (irmão do candidato do governo) e o ex-governador Leite Chaves, as quais, Alvaro alegou simplesmente "desconhecer os fatos".
Fluente e incisivo, Emanuel Appel (PT), professor universitário, também não teve condições de aprofundar seus comentários e intervenções, embora, de longe tenha tido uma das melhores atuações.
Irritado pela afirmação de Alencar Furtado de que não via, na mesa, ninguém com experiência administrativa, Garcez Duarte, que há 20 anos vem passando por cargos públicos (e que só neste governo, perseguido politicamente, se voltou a iniciativa privada), fez questão de em suas considerações finais, fazer um rápido histórico de sua vida administrativa, quando, pela primeira vez nas duas horas do debate, se falou em Cultura (ele foi diretor do Departamento de Cultura e também da Fundação Teatro Guaíra), ignorada totalmente pelos outros candidatos - pelo visto sem qualquer preocupação com esta área, aliás, a que teve a pior performance na infeliz administração de José Richa.
Para justificar o fato de não ter qualquer experiência administrativa, Alvaro Dias repetiu aquilo que vem fazendo há tempos: lembrou o exemplo de John Kennedy, que do Senado foi direto para a Casa Branca. Alencar Furtado, também alvo da mesma crítica, justificou-se dizendo que o parlamentar já é, de certa forma, um administrador (?). Justificativas vazias e ocas, aliás, não faltaram. Alvaro Dias, por várias vezes, numa linguagem muito mais de palanque do que de um debate objetivo, descartou a necessidade do governador ser um administrador e técnico, "desde que tenha bons e honestos assessores" (sic).
No chantilly dos salamaleques, nenhuma crítica sobrou para o atual governador João Elísio, assim como o candidato a vice-governador do Partido do Governo, engenheiro Ary Queiroz (tal como Jaime Lerner, presente nos estúdios e focalizado duas vezes pelas câmaras) - não foi também citado uma única vez, ao contrário do ex-prefeito de Curitiba, lembrado tanto nas críticas de Alvaro Dias, como nos elogios de Alencar Furtado.
Se os debates na televisão nas eleições americanas - onde, por uma questão prática, só participam os candidatos que tem reais chances de serem eleitos - já decidiram alguns pleitos e, em outro Estado, os debates têm apresentado maior interesse, o encontro dos sete candidatos ao governo do Paraná foi extremamente monótono e decepcionante - aliás, características das próprias campanhas que se traduzem nos insonsos programas do TRE. Ironicamente, coube ao menos preparado dos candidatos Teolindo Mendonça, fazer um dos raros comentários bem humorados da noite ("os sem-terra só terão mesmo terra no cemitério ou debaixo da unha") e, no final, uma sutil crítica a desparanização de nosso Estado, a começar pelo próprio fato da Rede Paranaense de Televisão/Globo, ter trazido um mediador (Rodolfo Gamberini) para coordenar este debate, "pois, afinal, nenhum jornalista paranaense esteve nos debates do Rio e São Paulo".
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Não houve vencido, nem vencedores no debate da madrugada de segunda-feira. E, no máximo, os candidatos conseguiram serem soporíferos e apressaram o sono dos eleitores.
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