Uma lição de cinema
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de maio de 1977
Em "O Mensageiro" (The Go Betwenn Inglaterra, 1971, de Joseph Losey) as imagens eram tão belas, tão bem colocadas, que qualquer fotograma, isoladamente, poderia ser ampliado como um quadro, como exemplo de enquadramento, luz, utilização de cores e, principalmente, cenografia. E, pela primeira vez, podemos dizer o mesmo em relação a um filme brasileiro: "Lição de Amor" (Cine Condor, 5 sessões, censura. 16 anos) é já pelas imagens, pelo requinte e bom gosto de cada seqüência, um filme que merece todos os elogios e premiações que conquistou até agora (5 corujas de Ouro e 3 "Kikiko" no Festival de Gramado, RGS, 1976). E se os filmes de um Walter Hugo Khouri, por exemplo, são esteticamente perfeito, mas, infelizmente, de um vazio total, com este filme de Eduardo Escorel acontece o contrário: apenas do ambiente restrito da ação, da ambientação nos anos, 20, "Lição de Amor" tem extraordinária atualidade e mesmo presença social, dentro da realidade brasileira. Quando Mário de Andrade (1893-1945) escreveu o romance "Amar Verbo Intransitivo" (1927), sobre o qual Escorel apoiou o roteiro deste seu valoroso filme, não imaginaria que, passados, cinqüenta anos, os preconceitos da burguesia que ele, tão bem, satirizou, continuariam ainda arraigados em certos círculos - fazendo com que meio século depois, a empatia de sua estória subsistisse. Escorel, explicando a sua visão de filme, disse que "ao concentrar a ação na casa e em seus jardins, ao reduzir os personagens apenas aos membros da família, seus empregados e a governanta, ao eliminar todas as referências ao mundo exterior, procuramos dar um valor mais permanente a situação em foco. Através de uma certa abstração buscando tratar de um tema que se referisse a prática e valores do nosso tempo".
E se assim pretendeu, melhor conseguir: o "huis clos" do ambiente confinado em que se passa toda a ação - uma mansão num bairro paulista, na década de 20, é universal nos sentimentos de seus personagens - uma narrativa envolvente, em que o espectador se integra na colocação dos personagens, fascinando-se assim duplamente: pela beleza plástica de cada cena (os figurinos de Anizio Medeiros, merecidamente lhe dera a Coruja de Ouro-76) e pela sinceridade da ação, mesmo considerando o sentido cerebral da direção limpa, cristalina da Escorel e o trabalho com uma tris glacial (embora técnicamente perfeita) como Lilian Lemmert "Fraulein"). O rendimento do elenco foi outro fator que ajudou a Escorel - curiosamente, nesta sua primeira experiência em longa-metragem - a obter resultados tão possitivos: Rogério Froes como Felisberto Souza Costa, a sensível Irene Ravache como sua esposa, dona Laura e o jovem Marcos Taquechel, no edifício papel adolescente Carlos, tiveram um tour-de-force, dentro da profundidade de cada papel. Mesmo personagens menores - como de William Wu (Tanaka, o copeiro), foram exaustivamente trabalhados. O resultado é que o filme saiu enxuto, adulto, belo - entusiasmado ao público que, honestamente, aprecia o cinema brasileiro - mas que nem por isso (oui justamente por isso) está disposto a aceitar qualquer pornochanchada como "genial", pelo simples "nacionalismo". "Lição de Amor" é bom porque é bem feito, é inteligente, tem o que dizer e diz de forma técnicamente perfeita. Tem uma das mais belas trilhas sonoras de cinema brasileiro (Francis Hime, coruja de Ouro-76), que só lamentamos não tenha sido editada em disco. Vá vê-lo antes de sexta-feira, pois dificílmente permanecerá em segunda semana: o Condor estabeleceu como renda mínima para manter um filme em cartaz por mais de uma semana, Cr$ 80 mil. E apesar de no domingo a primeira sessão da noite estar lotada, difícilmente o filme de Escorel chegará a esta marca. Lamentavelmente, pois merecia repetir o sucesso (de renda) de "Dona Flor e Seus Dois Maridos".
Enviar novo comentário