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Vergueiro, a luta por um espaço brasileiro

"Sou um compositor de 1975 e, apesar das dificuldades de se fazer alguma coisa hoje em dia, não estou nostálgico. Como eu, existem outros compositores, preocupados com a realidade brasileira, tentando mostrar seu trabalho que deve ser ouvido e respeitado. Eu só peço não nos deixem mudos, pelo amor de Deus". (Carlinhos Vergueiro, em 1975) Curioso e sintomático o que acontece com Carlos de Campos Vergueiro, paulista da Capital, 27 de março de 1952. Filho de uma família extremamente musical - o avô, seu primeiro mestre, foi o pianista Guilherme Fontainha; o pai é o ator e radialista Carlos Vergueiro, diretor artístico da rádio Eldorado desde a sua fundação. Um de seus irmãos, é o excelente pianista e compositor Ghilherme Vergueiro. Estudou composição com Osvaldo Lacerda e teoria musical com Tumiko Kavanani. Assim, quando começou a compor aos 16 anos, já tinha uma boa base teórica. Em 1972 foi finalista do Festival Universitário, da TV Tupi, com a música "Só o tempo dirá", samba gravado em disco compacto no ano seguinte, pela Chantecler. Na mesma etiqueta faria, em 1974, outro compacto com as músicas "Poeta sem Versos" e "Garra" (com João Garcia). No mesmo ano sairia seu primeiro lp, apropriadamente intitulado "Brocha" (Continental, SLP-10.139), produção de Fernando Falcon, só com músicas próprias, destacando-se "Vendaval", "Lucidez" e a faixa-título. Em fevereiro de 1975, venceria o Festival Abertura (Rede Globo), com a belíssima "Como um Ladrão", que gravaria em seu segundo lp, produzido pelo grande Pelão (João Carlos Bozeli) e na qual se destacariam músicas como "Se Cuide" e "Como Dói". Tinha tudo para dar certo. Jovem, boa pinta, voz deliciosamente afinada, bom compositor - e bons parceiros, era de se esperar que acontecesse nacionalmente. Só que houve um detalhe: Carlinhos não quis, aceitar a pasteurização de sua bela imagem e transformar-se numa espécie de "namoradinho do Brasil". Assumiu seu nacionalismo e nisto contou muito o produtor Pelão - que no elepê feito na Continental incluiu até um coro formado pela Velha Guarda da Portela, além de veteranos e imbatíveis músicos como Raul de Barros, Altamiro Carrilho, Dino e Meira, Abel Fereira, Joel do Bandolim, Canhoto entre outros. Brasilidade é difícil de conviver no esquema de consumo e assim Carlinhos tem sido vítima de uma estrutura desumana que penaliza os talentos que não fazem concessões ao marketing comercial. Talento nunca lhe faltou e ao longo destes 14 anos - e oito álbuns - teve sempre ótimos produtores: além de Pelão, com quem faria dois elepês (o segundo foi na Odeon, em 1977), Aluísio Falcão (seu parceiro em muitas músicas, com o pseudônimo de J. Petrolino), Mariozinho Rocha e mesmo Mazolla na fase em que esteve na Barclay/Polygram. Sem gravar há três anos (seu último elepê, "Felicidade", saiu pela Sigla/Columbia, produção de Chico Batera), Carlinhos volta com um belo disco, lançado pela RCA. Consta que ao assinar com esta multinacional (recebendo Cz$ 5 milhões), Chico Buarque impôs, entre outras condições que contratassem também Carlinhos Vergueiro, com luva de um milhão de cruzados (Arrigo Barnabé, há 2 anos, ao assinar com a Barclay, também exigiu que fizessem um elepê com seu amigo Passoca). Verdade ou mentira, o fato é que não poderia ser mais significativo o retorno de Carlinhos ao disco. Cantando melhor do que nunca, com um repertório delicioso - no qual há parcerias excelentes, incluindo um emotivo samba que fez com o grande Adoniram Barbosa (19-10-1982) e Paulinho Boca de Cantor - "Minha Nêga". O álbum abre com uma canção de grande produção instrumental - "Música", e segue com a deliciosa "Nosso Bolero" (parceria), "Cigano" (parceria com Paulo César Pinheiro), "Muito a Vontade" (parceria com Nonato Buzar), encerrando com "Nada é em Vão", com a participação especial de Fagner. O lado B abre com "Samba na Cidade", (parceria com Vinícius Cantuária) prossegue com "Andorinha" em parceria com Suely Costa - e na qual se repete a secção de 21 cordas já utilizada no arranjo de "Andorinha". As duas últimas faixas são composições exclusivas de Carlinhos: "Fissura" e "É Disso Que o Povo Gosta". Nestes últimos três anos, Carlinhos colaborou com Homero Ferreira na produção do disco "Malandro", de Chico Buarque e na trilha sonora do filme de Ruy Guerra (que a Polygram deve lançar agora, quando o filme representa o Brasil no FestRio, na próxima semana). Carlinhos esteve no festival de San Remo, na Itália e, em São Paulo, criou com Jorge Cunha Lima, o eficiente secretário de Cultura, o Projeto Adoniram Barbosa, com shows a preços populares. Identificado ao melhor da MPB - de Nelson Cavaquinho e Cartola (com quem fez o Projeto Pixinguinha), aos seus amigos Toquinho e Chico Buarque, Carlinhos Vergueiro é um talento seguro, brasileiríssimo. Se não tornou-se ainda um nome popularíssimo e nem alcançou vendagens maiores de seus discos, isto não diminui em nada a sua obra. Ao contrário, é mais uma prova de que o consumo ainda é burro - e talentos como ele ficam restritos a círculos restritos. A volta de Carlinhos Vergueiro se inclui entre os eventos mais importantes deste ano. E a RCA só tem a ganhar com um artista de seu gabarito entrando em seu elenco. LEGENDA FOTO - Carlinhos Vergueiro: um retorno oportuno.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
16/11/1986

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