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Aramis

As barrigas da imprensa na coleção Wanderley

Uma das mais originais coleções-hobbies é a que ocupa as horas de folga do advogado, jornalista, poeta e ex-radialista José Wanderley Dias, 57 anos, pelos menos desde os anos 50: barrigas de imprensa. Barriga na gíria de imprensa significa um erro, gráfico ou redacional, que escapou da atenção da revisão e entra no folclore do jornalismo. Ao invés de colecionar selos, chaveiros, borboletas, revistas, caixas de fósforos, chapéus (como faz, por exemplo, o intelectual Vasco Taborda Ribas) ou canecos de chope, Wanderley Dias, nome profundamente ligado à história da rádio paranaense e há mais de 30 anos o influente advogado-chefe da Caixa Econômica Federal no Paraná, preferiu reunir as "ratas" da imprensa. Nos próximos dias, a revista "Visão" vai focalizar a coleção de Wanderley, colaborador da "Gazeta do Povo", onde a sua coluna, "A Vista do Meu Ponto", ganhou este nome devido a um erro de imprensa. Há vinte anos, começando aqui em O ESTADO, seus artigos se intitulavam de "O Meu Ponto de Vista", até que um dia a revisão deixou passar o título as bolas trocadas e ele conserva até hoje a errata que deu certa. xxx Não se contentando em colecionar apenas o seu caso, Wanderley começou a reunir outros erros de imprensa, como trocas de legendas, palavras e letras trocadas que mudam o sentido da frase e casos sui-generis. Hoje já tem 4 mil recordes, um recorde digno de figurar no Ginnes Book of Records. Na coleção de José Wanderley Dias, mantida em álbuns, guardados a sete chaves, há preciosidades como aquela publicação em que aparece a esposa de um ex-presidente da República que ganhou o primeiro automóvel fabricado no Brasil. A primeira dama aparece dirigindo uma Romisete e embaixo a seguinte frase: "Primeira Dama da Nação é de construção forte, ainda que por suas pequenas dimensões de fácil manejo". Pela situação e referências, tentem adivinhas quem era a primeira dama. Nos (bons) tempos em que os jornais eram impressos em sistema tipográfico, era comum a troca de uma letra por outra o que causava as mais engraçadas e espantosas frases, como aquela que, em 1952, um jornal curitibano publicou em letras garrafais um edital convocando dez desportistas com o título Conselho Regional de DESPOTROS. Um jornal gaúcho fez sua apresentação assim: "Diário de Notícias - PARTO Alegre, 6 de outubro de 1965". E um outro periódico carioca, com a mesma denominação, lançou a candidatura de Munhoz da ROLHA (Rocha) a governador do Paraná. As coisas também se complicam com o acréscimo de uma letra, como no caso da declaração da atriz sueca Anita Ekberg, sex symbol nos anos 50/60, que numa machete, entre aspas, dizia: "Por HORA os homens não me interessam". Nem o conservador e oficial "Diário do Congresso Nacional" escapou da coleção de José Wanderley Dias, pois publicou sua data na primeira página, com nome de cavalo - "9 de BAIO de 1969" e, em 1975, o mesmo Diário, que jamais ocupou-se com fotos ou ilustrações de qualquer tipo, estampou uma charge do cartunista Ziraldo, onde aparecia a caricatura do presidente Ernesto Geisel, de costas para a Arena. Presume-se que o cartum, recortado do "Jornal do Brasil", tenha saído para encher espaço embora não seja descartada a hipótese de ter sido uma brincadeira de algum gráfico, pela nítida derrota que a Arena levou em 1974. xxx Um outro jornal, menos conservador, mas com todas as referências de sério, trouxe, muitos anos antes, um decreto do presidente João Goulart, nomeando um almirante americano com a medalha de mérito da MARIA (Marinha) de Guerra. Os anúncios de cinema não poderiam ficar fora da "antologia" de Wanderley. O antigo Cine Palácio, em nossa Cinelândia - e onde hoje existe o Astor - saiu com um anúncio memorável do filme "As Sete Éguas" (que se referia "As Sete Evas") comprometendo a reputação de atrizes (como Odete Lara) que estavam no filme, ao lado de Paulo Autran - como ator e, óbvio, não como jóquei. Outro anúncio foi mais audacioso, considerando a época (1958): "Onze Himens e uma Sentença', referindo-se ao clássico filme "Onze Homens e uma Sentença" (Twelve Angry Men), o filme que marcou a estréia de Sidney Lumet na direção, em 1957 (a fita foi lançada pela United Artist no Cine Arlequim, há 23 anos). O tradicional e centenário Clube Curitibano, também não foi muito feliz na promoção de seu restaurante, anunciando "ratos a la carte". Nem o "Estado de São Paulo" é perfeito. Um de seus classificados dominicais publicou: "Secretária deve dormir (dominar) perfeitamente o francês". A não ser que esta fosse a intenção do anunciante. xxx Na revista "Manchete" foi inserido um anúncio onde aparecia um tabuleiro de xadrez com dois reis em xeque. O que é o mesmo que dois gols ao mesmo tempo, em traves diferentes, com a mesma bola. Um matutino saiu às ruas cedinho com a seguinte manchete "Alemanha IMUNDA o mundo com Volks". Se fosse "Os Pasquim", até que teria sentido. O "Diário Carioca", em 1965, prognosticou: "Costa Silve é Papável". Antes de assumir a presidência, Juscelino Kubitschek, foi ao Vaticano e um diário, querendo dar a notícia da visita que fez ao Papa Pi XII, revelou que nas despedidas da comitiva, "dos se despiram". Há notícias que raramente os jornais conseguem evitar, quando estas são matérias pagas. Por exemplo, esta: "Ildefonso Contador agradece o comparecimento ao seu enterro e convida para sua missa de 7o dia". Ou esta outra: "Dona Mira comunica seu casamento com Alceu, este já falecido". A Câmara de Vereadores de Curitiba cometeu um erro social: aprovou o envio de um voto de "prazer pela morte" de um cidadão. Outra preciosidade de nota fúnebre é esta, que saiu num matutino, em janeiro/63: "Faleceu ontem, às 9 horas, a senhorita Prefeitura Municipal de Curitiba - Aviso do Departamento da Fazenda". xxx Os jornalistas políticos não só relatam as gafes dos políticos como também cometem as suas, como aquele repórter que conferindo o quorum parlamentar escreveu "Dos 300 deputados, compareceram apenas 1.500". Em meio a tantos episódios também aparecem as contradições curiosas. O sr. Idôneo da Silva Marques não era tão idôneo como o seu nome fazia crer, pois comparecia uma relação infindável de títulos protestados". Há também um diretor de Parques e Praças da Prefeitura de Curitiba que, há 20 anos, assinou um edital da Prefeitura com o nome de "Cravo Plácido Perfumado". Um jornalista que fez a cobertura da visita do presidente de Portugal, general Craveiro Lopes, ao Brasil, em 1956, talvez por notar os belos dentes do lusitano general, chamou-o de CRAVERO DENTES CONTRA CÁRIES. É bem possível que o "Diário do Paraná", em 1965, não tenha entendido muito bem as posições políticas do marechal Lott para manchetear: "Marechal Lott é ILEGÍVEL". A "Folha de São Paulo" cometeu um erro de português na primeira página. Em letras encorpadas: "Paulo VI: Detei-vos (Detende-vos) e refleti". Só que a conjugação verbal saiu errada em vários jornais, o que faz com que a culpa vá para a agência de notícias que distribuiu o telex. "O Estado de São Paulo" publicou uma gafe geográfica ao dizer numa reportagem que "a belonave presidencial pousou ontem em São Paulo". "Belonave é navio de guerra e o redator cometeu duplo engano; pois mesmo que a aeronave presidencial fosse um avião de guerra jamais se chamaria belonave. Além do mais, seria impossível um navio de guerra decolar ou pousar, sem contar que a Capital de São Paulo não tem mar. Por descuido do redator ou revisor acontecem trocas de letras que fazem inocentes palavras virarem atemorizantes palavrões. Por exemplo, um destile de modas onde o "f" entre no lugar do "m". Mas o que parece acidental, às vezes, torna-se intencional, como aconteceu com um irritado colunista social de Ponta Grossa, que após mencionar a presença de um colunável num elegante acontecimento social, chamou-o, entre parênteses, três vezes de F.D.P., com ponto de exclamação e tudo... com todas as letras. xxx Entre as preciosidades de Wanderley Dias está um erro na antiga nota de Cr$ 50,00, provando que até a Casa da Moeda se engana: nela estará impresso MINSTRO da Fazenda. Outra relíquia é um mapa do Brasil, quando houve uma nova divisão das regiões em 1970 e a região Sudeste (Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo) transformou-se em SUDOESTE. A peça que dias mais se orgulha é um recorte do jornal alemão "Die Welt", de Hamburgo, considerado a publicação mais bem revisada do mundo e onde trabalham catedráticos do idioma de Goethe. Pois no "Die Welt", noticiando o réquiem de John Kennedy, referiu-se à missa de 7º dia, somente com o QUIEM, sem o RÉ, e assim também sentou nos bancos dos réus de revisão.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
6
19/12/1981

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