Bastidores de Gramado: sem furacão e sem ilusões
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de maio de 1987
Gramado
Só de jornalistas foram 275, 194 do Rio Grande do Sul, e os demais do Rio, São Paulo, Santa Catarina, Brasília, Goiás e Paraná.
Dez vieram do Uruguai, Argentina, Itália e Canadá. Convidados passam de 700, hospedaods em 350 apartamentos da rede hoteleira não só de Gramado e Canela, mas mesmo em cidades vizinhas. Se para o próximo Festival de Cannes, há 120 dias não existe mais lugar em nenhum hotel a menos de 100 km da cidade francesa, em Gramado, o vice-prefeito (e hoteleiro) Antonio Zorzanello usou todo o seu prestígio para conseguir apartamentos e atender superstars que, em última hora, decidiram também assistir ao encerramento do festival, ontem, quando após a projeção de "A Cor do Seu Destino", de Jorge Duran, no cine Embaixador, Tania Carvalho e Clovis Duarte anunciaram os novos vencedores do Kikito ("O Deus da Alegria "), hoje um troféu cinematográfico tão valorizado, em termos nacionais, quanto é o Oscar internacionalmente.
Custo
O Custo de Cz$ 10 milhões da 15ª edição do Festival de Gramado foi plenamente justificado pelo prestígio hoje latino-americano do evento que traz dividendos promocionais a esta região turística durante todo o ano.
Poucas empresas colaboraram. E a receita dos ingressos no cine Embaixador ( que é mantido pela comunidade) é inexpressiva, já que só convidados ocupam mais de 70% das suas poltronas, mas o comércio está aquecidíssimo, com a lojas de artesanato, malhas, chocolates, etc. vendendo como nunca - apesar de preços, naturalmente, mais elevados.
País da ilusão
Tabajara Ruas, jornalista e escritor, ex-braço direito de Carlos Marés na Fundação Cultural, hoje de volta a Porto Alegre, é um dos editores do "Diário do Sul", que circula há 150 dias. É dele uma das mais lúcidas apreciações do clima de Gramado no período do festival:
- "Poucas horas após a abertura de seu 15º Festival de Cinema, Gramado persevera em sua vocação de confundir-se com o imaginário. Gramado não é uma cidade de uma país em crise. Gramado é uma ficção. O ar frio e puro, as ruas minuciosamente limpas, as casas recordando com decisão a distante Europa e a calma das pessoas na ruas não prenunciam o furacão que poderá desencadear-se nos próximos dias. O furacão, naturalmente, está nas telas, porque, até o momento, Gramado continua serenamente incólume a surtos de greves, quedas de ministros e ao trovejar dos cascos de galope da inflação."
Mulheres
As cineastas, do chamado "Coletivo de Mulheres de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro", fizeram reuniões com nomes famosos, inclusive Tônia Carrero (esplendorosa como sempre), Irene Ravache, sempre inteligente, e a grande Marilise Saueressig, gaúcha, atriz de garra e que os curitibanos já viram tantas vezes no palco do Guaíra. Vídeos, curtas e médias-metragens foram exibidos em diferentes sessões com surpresas das mais estimulantes, como o belo "Rio de Memórias", 35 [33] minutos, uma reconstituição que o psicanalista José Ignácio Parente - cineasta nas horas vagas - e sua esposa Patrícia Monte-Mor fizeram do Rio de Janeiro entre 1840 e 1930, com 350 [327] fotos selecionadas entre mais de 70 mil imagens. Um filme belíssimo, que o Museu da Imagem e do Som do Paraná pode levar a Curitiba, desde que o Chico Bettega sensibilize alguém a pagar os custos de transporte, hospedagem dos seus realizadores e do aluguel do filme. Valeria a pena que nossos fotógrafos - tão badalativos na colunas - assistissem ao filme, que, como tantos médias-metragens de nível, nunca chegará ao circuito comercial.
Livros e revistas
Além dos espaços crescentes na páginas dos jornais nacionais, o cinema volta a ganhar suas publicações. Depois de anos em que não havia revistas especializadas, voltam a circular "Cinemim" - cada vez melhor. "Cisco" e o jornal "Cine Imaginário" - que Rosa Lima edita com tanto entusiasmo.
A jornalista Helena Salem, de "O Globo", passou um ano trabalhando no livro sobre Nelson Pereira dos Santos ("O Sonho Possível de um Brasileiro", Nova Fronteira, Cz$ 360,00), que lançou na quarta-feira, sem a prometida presença do diretor de "Vidas Secas". Em compensação, José Menezes [Medeiros], fotógrafo e maior amigo de Nelson Pereira dos Santos - um dos muitos depoentes no livro de Helena - esteve presente, falando aliás com entusiasmo de sua passagem por Curitiba no próximo dia 6, quando na Loja Funarte será inaugurada sua mostra de fotografias, desde os tempos heróicos de "O Cruzeiro".
A Tche aproveitou o festival para lançar o roteiro de "O Homem da Capa Preta" de Sérgio Rezende, José Louzeiro e Tairone Feitosa (192 págnias, Cz$ 260) e também o há muito aguardado "Festival do Cinema Brasileiro de Gramado", do jornalista Luiz Carlos Carrion, da Zero Hora (568 páginas, Cz$ 600,00), que traz todas as informações sobre o evento, que começa a ganhar sua memória.
Tanto é que na abertura, dia 27, foram projetados emocionantes 8 minutos de "Gaudêncio, o Centauro dos Pampas", que Fernando Amaral aqui rodou em 1971 ( com cenas históricas do primeiro festival), estrelado por Dina Sfat e os gaúchos José Lewgoy e Paulo José.
Nas noites seguintes, outros fragmentos do Festival de Gramado em anos anteriores, selecionados pelo pesquisador Antonio de Jesus Pfeil, também foram mostrados na tela do cinema Embaixador . Gramado ganhará ainda o seu Museu do Cinema este ano.
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