Chegou o pássaro azul com o som do bom jazz
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de maio de 1990
Há algumas semanas, em reportagem especial no "Almanaque" dominical, destacamos a importância do pacote do Bluebird, com o qual a BMG/Ariola inicia a tão esperada vinda ao Brasil deste prestigioso selo jazzístico. Realmente, o Bluebird está entre os melhores acervos jazzísticos americanos e até hoje era privilégio de quem se dispunha a enfrentar os dólares da importação para ter acesso as verdadeiras jóias que fazem parte deste label.
Programado para ter lançamento em dezembro do ano passado, o primeiro pacote do Bluebird só acabou chegando nas lojas no primeiro trimestre deste ano. O Plano Collor, que trouxe uma retração no mercado fonográfico, prejudicou a melhor comercialização destes excelentes lançamentos - mas que agora, com um início de reequilíbrio de vendas - e inclusive uma estabilização nos preços - merece ser procurado pelos que se interessam pelo que há de melhor em jazz. Afora o antológico "His Mother Called Him Bill", considerado por muitos críticos como um dos melhores álbuns da orquestra de Duke Ellington (1899-1974), dedicado ao seu amigo e arranjador Billy (William) Strayhorn (1915-1967), que já registramos aqui, o pássaro azul jazzístico trouxe outras preciosidades.
Por exemplo, "Together Again", com o quarteto de Benny Goodman (1909-1986) reúne dez registros feitos em Nova Iorque, entre os dias 13 de fevereiro a 27 de agosto de 1963. Com Lionel Hampton (vibrafone), Teddy Wilson (1912-1983) ao piano e Gene Krupa (1909-1973) na bateria, Goodman, em seu melhor vigor, na clarinete e arranjos, perpetuou em quatro diferentes sessões (duas em estúdio; duas no Webster Hall), os registros de clássicos de Gershwin ("Who Cares"), Berling ("Say it isn't So"), Webster / Ellington ("I Got it Bad and that ain't Good"), Palmes / Williams ("I've Found a New Baby"), Davis / Akst ("Dearest"), entre outros momentos iluminados.
Outras sessões marcantes, também realizadas em Nova Iorque, na mesma época, foram as que uniram os saxofonistas Paul Desmond (1924-1977) e Gerry Bultigan (New York, 06/04/1927), acompanhados do baixista John Beal e do baterista Gonnie Kay, resultando seis registros igualmente antológicos: "All the Things You Are" (Jerome Kern / Oscar Jammerstein II), "Stardust" (Hoagy Carmichael / Mitchel Parish), "Tow of a Mind" (Paul Desmond), "Blight of the Fumble Bee" (Mulligan), "The Way You Look Tonight" (Dorothy Fields / Jerome Kern) e "Out of Nowhere" (Eddie Heyman / Johny Green).
A audição atenta destas seis faixas permite observar a fusão dos dois mais limpos saxofonistas da história do jazz, que desenvolvendo carreiras paralelas a partir dos anos 50, cristalizaram o chamado som "west coast", marcado pelo toque suave, harmônico - dispensando as big bands e concentrando em fórmulas sintéticas - baixo/piano/bateria que caracteriza, até hoje, o jazz camerístico. Paul Emil Breintefeld, nascido em San Francisco - o sobrenome artístico Desmond só foi acrescentado anos depois, buscado num catálogo telefônico - era filho de um organista e arranjador de teatro. Aos 12 anos, Paul estudava violino, passando depois para a clarineta. Em 1943, quando estava na Marinha, conheceu Dave Brubeck, cujo conjunto viria integrar por anos, fazendo elepês antológicos, inclusive o famoso "Jazz Goes to College", que a CBS lançou no Brasil há poucos meses. O prestígio de Brubeck e seu conjunto, com Desmond em destaque, valeu até matéria na capa na "Time" de 8 de novembro de 1954.
Com muitos discos editados no Brasil - em suas diferentes formações, Paul pode ser agora melhor apreciado nestes registros feitos com Mulligan, que também fez parte por anos do grupo de Brubeck.
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Cantor, guitarrista, Joe Williams está entre os últimos cantores da era de ouro do jazz-blues americano. Há dois anos veio ao Brasil para uma edição do Free Jazz, mas, infelizmente, não teve o espaço merecido - ele que nos Estados Unidos continua a lotar imensos auditórios, como recentemente foi aplaudido em Daytona Beach pelo professor (e também cantor) Phil Young, que intimou os curitibanos que participavam de seu grupo de alunos a assistirem ao grande mestre, dizendo que se não gostassem, devolveria o valor dos ingressos. Ao final, a rapaziada que nunca tinha ouvido falar em Joe Williams, alguns deles com lágrimas nos olhos, agradeceram a Young a oportunidade que lhes dera de ouvir um dos gigantes do jazz.
Joe Williams é daqueles cantores com gosto de vida, amores, sofrimento e trabalho ao longo de suas canções, numa carreira que se estende por mais de quadro décadas - duas delas com a orquestra de Count Basie (1904-1981), de quem foi o grande crooner por tantos anos.
Em "The Overhelming Joe Williams", temos nada menos que 14 standards em sua voz primorosa, acompanhados por músicos como Clark Terry (pistão), Urbie Green (Trombone) e Kenny Burrell (guitarra), entre outros que em 1º de fevereiro de 1963 estiveram na gravação produzida por George Avakian. Com temas conhecidos como "April in Paris", "Jump for Joy", "Prelude to a Kiss", "On the Sunny Side of the Street", Williams emociona por seu vigor nesta gravação produzida a partir de vários registros feitos na Bluebird. Mesmo com atraso de muitos anos, vale a pena conhecer Joe Turner, com seu estilo, sua vibração e seu ótimo astral.
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Além de preciosidades do jazz consagrado, com tantos nomes marcantes que já se foram, a Bluebird tem também artistas mais jovens, igualmente importantes. É o caso de Gato Barbieri (Leandro J. Barbieri, Rosário, Argentina, 28/11/1934), hoje consagrado entre os melhores saxofonistas, arranjadores e compositores. Clarinetista desde os 5 anos, em 1953 já tocava sax-tenor numa orquestra, Barbieri passaria 7 meses no Rio de Janeiro em 1962 - chegando a fazer algumas gravações de Bossa Nova - antes de seguir para os Estados Unidos e Europa, internacionalizando sua carreira em grupos como de Jim Hall e Don Cherry em Paris. Em 1972, já conhecido nos meios musicais, veio o grande impulso internacional ao fazer a trilha de "O Último Tango em Paris", do filme de Bernardo Bertolucci que se tornou o maior êxito mundial.
Hoje, rico, famoso, independente, Barbieri espaça suas apresentações e gravações. Neste "The Third World Revisited", produção de Bov Thiele, Barbieri acompanhado por Ron Carter (baixo), George Dalto (teclados), Metzke (guitarra), Pretty Purdir, Babafemi e Raumond Montilla (percussão), presta homenagens a quatro compositores: do brasileiro Pixinguinha com uma emotiva versão jazzística de quase onze minutos de "Carinhoso" a John Coltrane ("Blues"), Jerome Kern / Harbach ("Yesterday") e incluindo ainda o "Marnie" (Hermann / Jason / Shayne).
Discípulo de Charlie Paker - em sua adolescência, fez de "Now It Is Time" o seu álbum de cabeceira, durante anos - Barbieri mostra neste álbum belíssimo, enriquecido com uma original capa de Rico Lins e texto de contracapa de Nat Hentoff, porque conseguiu seu espaço entre os melhores do jazz.
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