Ecletismo de Marisa compensa o marketing
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de fevereiro de 1989
Há quase dois anos, em matéria de página inteira na capa do Caderno B, do Jornal do Brasil, o título já antecipava: "Nasce uma estrela: Marisa Monte". A partir de então, numa das mais bem orquestradas campanhas de lançamento de uma artista, a imprensa nacional passava a dispensar à nova cantora um tratamento de superstar. Assim, de desconhecida de ontem passou a ser um nome famoso - isto sem sair de um restrito circuito carioca e sem gravar seu primeiro LP. O pigmaleão da operação é competente: Nelson Motta. Resultado: agora, ao sair o seu primeiro (e aguardado) elepê (EMI-Odeon, janeiro/89), Marisa Monte chega com a aura e fama que raras cantoras conseguem. É justo um tratamento tão especial e badalativo a uma cantora jovem, famosa antes mesmo, praticamente, de deslanchar profissionalmente sua carreira?
Questões como esta, à parte, o fato é que Marisa é bonita, charmosa e canta bem. Eclética, demonstra um repertório (que tem feito seus shows em sofisticadas noites cariocas merecerem aplausos intensos) que vai do samba de Candeia, "Preciso Me Encontrar", à ária de "Porgy and Bess" (Gershwin), na qual teve a particiapação do Nouvelle Cuisine (dividindo os vocais com Carlos Fernando Nogueira) ou "Speak Low" (Ogden Nash/Kurt Weil), numa interpretação intimista, inspirada em João Gilberto - e na qual há um suave arranjo de cordas (12 violinos, 4 violas, 4 cellos), escritas pelo maestro Eduardo Souto.
Justamemente foi a diversificação do repertório a fórmula que o sempre astuto Nelsinho Motta encontrou para mostrar que Marisa não é uma invenção de marketing. A moça canta bonito e de forma competente - encantando tanto as faixas jovens - para os quais se destinam faixas como "Comida" (Arnaldo Antunes/Marcelo Frommer/ Sérgio Britto), "Ando Meio Desligado" (Arnaldo Baptista/Sérgio Baptista/Rita Lee) e um "clássico" da pré-Jovem Guarda, "Negro Gato" (Getúlio Cortes). Modestamente, a presença de Nelsinho fica numa faixa, letrando um tema de Pino Daniele, apresentado como "o que há de melhor entre os músicos atuais da Itália, uma espécie de Caetano e Steve Wonder à napolitana": "Bem Que Se Quis". Um clássico baião, "O Xote das Meninas" (Zé Dantas/Luiz Gonzaga) teve um leitura meio reggae, com a citação até do humor de Genival Lacerda, enquanto "Chocolate", de Tim Maia, tem um verso extra - e a participação de um grupo vocal ("The Marilyns").
Outra homenagem nostálgica, esta a Carmem Miranda (1909-1955), com "South American Way" (Al Dublin/Jimmy McHugh), numa saudação às cantoras do rádio. Finalmente um mergulho no mundo do samba-de-enredo com "Lenda das Sereias Rainhas do Mar" (Vicente/Dionel/Veloso), que em 1967 foi o samba-de-enredo da Império Serrano.
Eclético, equilibrado e competente. Eis a definição que se aplica a este álbum de estréia de Marisa Monte, provando que merece os aplausos recebidos - embora, para segurar a peteca em seus próximos discos, terá que manter o mesmo nível. Que não seja apenas um estréia auspiciosa. De qualquer forma, como cantora, já é a revelação do ano.
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