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Aramis

A não-entrevista de João, o silencioso

Quem viu, conferiu! Apesar de todas as chamadas para a "quebra de jejum de entrevistas há 14 anos", as "declarações" de João Gilberto para o repórter social Amaury Júnior em seu "Flash" (Rede Bandeirantes, uma hora da madrugada do último domingo, 7), não passaram de 80 palavras como, meticulosamente, computou um dos assessores do colunista Zózimo Barroso do Amaral, do "Jornal do Brasil". Apesar de dedicar todo o espaço do programa ao evento musical da temporada - o show "número um" bancado pela Brahma no Palace, em São Paulo, na noite da última quarta-feira, o TV-repórter Amaury Júnior só teve autorização para gravar uma das músicas interpretadas por João Gilberto - "Aos Pés da Santa Cruz" - e mesmo tendo acesso ao camarim, pouquíssimo conseguiu. Ao lado de seu amigo Nelson Motta, um envelhecido João Gilberto (do Prado Pereira de Oliveira), 60 anos a serem completados no próximo dia 10 de junho, mostrou que embora baiano de Juazeiro, continua a ser mais mineiro do que nunca. Enquanto Amaury Júnior descarregava sua famosa verborragia, falando de sua admiração e amor por João, este, monossilabicamente, limitava-se a retribuir dizendo que também era seu fã - em sua fortaleza (quase) inacessível no apart hotel do Leblon, Rio de Janeiro, onde se esconde há mais de 15 anos, acompanha seu programa de madrugada. João só se descontraiu um pouquinho ao chamar para "proteger" o flanco esquerdo, o maestro Eduardo Souto Neto. Foi quando, mostrando seu encliclopedismo musical, lembrou o grande avô do jovem maestro, o compositor Eduardo Souto (São Vicente, São Paulo, 12/04/1822 - Rio de Janeiro, 18/08/1942) e também o seu pai, o pianista Nelson, autor de uma canção ("Você Voltou"), que chegou a cantarolar. Quando, porém, Amaury Júnior tentou obter de João alguma explicação sobre suas famosas ausências em shows, passou a palavra aos seus amigos. Nelsinho Motta, 47 anos (mas com cabelos embranqueados, deixando a imagem de "eterno jovem" que sempre perseguiu), com toda sua cancha de veterano TV-man e globetrotter, fez uma apologia ao João, dizendo que o seu rigor em só se apresentar com as melhores condições artísticas é que o faz ser tão perfeccionista em suas cada vez mais raras aparições. Eduardo Souto Neto, responsável pelos arranjos do comercial da Brahma que João gravou (ontem, revelou-se que pelo show e comercial teria recebido US$ 400 mil), disse que "é aquele que faz chorar cada vez que canta". Amaury insistiu em tirar de João algumas preferências sobre a música brasileira e quando Nelsinho lembrou o nome de Rita Lee (que atualmente faz um show na linha BN), João acrescentou o nome de Roberto - referindo ao guitarrista Carvalho, marido da vovó do rock brasileiro. Amaury entendeu que fosse o outro Roberto - o Carlos, e João, diplomaticamente, acabou endossando - já que entre sussurros citou outros baianos - Caetano, Gilberto Gil, referiu-se as tietas Beth Carvalho e Elba Ramalho que estavam no camarim, mas, ao menos, lembrou um cantor que longe da mídia, está entre suas reais admirações - o carioca Roberto Martins, 82 anos completados no dia 29 de janeiro - que é um entre tantos esquecidos que só pode ser ouvido em discos-documentos como os que idealistas Leon Barg (Revivendo) e Chico Almeida Aguiar (Moto Discos) sabem garimpar. Alguém soprou o nome de Tom - e apesar das divergências que os afastaram há anos, ele o incluiu também entre suas admirações. Por último, uma citação ao que hoje é o mais atuante e afinado cantor brasileiro - Emílio Santiago. Abraçado a Nelsinho e Eduardo Neto, cabeça abaixada na maior parte do tempo (o câmera focalizando-o em close que mostram que os mitos também envelhecem), João mais sussurrou do que falou. Uma ante-entrevista, mas que não deixou de trazer a emoção de ser ver o cantor-violonista que modificou a nossa MPB e que, 14 anos após feito o seu último elepê, voltou agora, com "João" (Polygram, março/91), em CD/cromo (nestas com duas músicas a mais) e vinil - um consolo para os milhares de seus fãs que não tiveram a felicidade de, ao vivo, aplaudi-lo na única apresentação no Palace, há uma semana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
09/04/1991

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