Fernandinho, repentista do Sul e Bráulio, o pianista
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de abril de 1990
Por modéstia ou esquecimento, o percussionista Fernandinho do Bumbo (Fernando Fernandes Mariotto Alves de Oliveira, Antonina, 1945) não falou à repórter Adélia Lopes, na entrevista para o "Almanaque" dominical de um aspecto significativo em sua carreira - e que, por uma questão de justiça, nós que fomos testemunhas da história, aqui corrigimos. Foi a partir de uma irreverente rumba cha-cha, "Vila Hauer", que Fernandinho cantava nas noites do antigo "Caverna da Bruxa", que surgiu a idéia original de fazer um espetáculo sobre Curitiba - que desaguaria em "Cidade Sem Portas". Estreado em 1972, no Teatro do Paiol - e no ano seguinte tendo sido levado a vários bairros de Curitiba - "Cidade Sem Portas", com texto de Adherbal Fortes de Sá Jr. e músicas de Paulinho da Viola, foi um projeto autônomo. Mas a primeira idéia sobre um musical curitibano, falando dos bairros, nasceu quando ouvimos Fernandinho cantar o refrão:
"Que se fuere em mi Boquero, mi Boqueron".
Para que, no futuro, se alguém escrever a história da música em Curitiba, aqui fica o esclarecimento.
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Percussionista, cantor e, sobretudo, um relações públicas nato, Fernandinho do Bumbo é daquelas pessoas que identificam a cidade. Ao longo dos anos, ciclicamente, tem circulado em bares e espaços noturnos, enfrentando barras das mais pesadas, mas sempre com bom humor.
Sempre achamos que Fernandinho é uma espécie de repentista curitibano. Mais do que compositor, suas letras improvisadas, sempre acompanhando-se na percussão, tem um sentido de cantoria, daquelas que, no Nordeste, marcam o trabalho dos repentistas. Este é o aspecto que Fernandinho do Bumbo deve ser ouvido e entendido - pois de outra forma haveria limitações numa apreciação sobre o seu trabalho.
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Depois de passar alguns meses na Bahia, trabalhando com Luís Caldas e outros lambadeiros, Fernandinho juntou-se aos excelentes músicos que Gersinho Bietinez soube aglutinar para animar as noite do "Habeas Copus", depois de uma terrível experiência de um estridente grupo de rock que ali vinha se apresentando e que estava assustando a freguesia mais fiel.
Particularmente significativo, em termos de música instrumental, é o retorno neste ótimo conjunto de um dos mais criativos tecladistas da música paranaense - Bráulio Faria Prado, 46 anos, 43 músicas. Isto porque, aos 3 anos, vestido com trajes de cowboy, inspirado no então ídolo da "Rádio Nacional", Bob Nelson (Nelson Roberto Perez, Campinas, São Paulo, 12/09/1918), Bráulio seria o primeiro grande ídolo infantil do Clube Mirim M-5, o pioneiro programa de estímulo a talentos mirins que Aluízio Fonzetto (1914-1988) criou na "Rádio Guairacá", logo após a sua inauguração (1948) e que tinha como locutor o jovem Abílio Ribeiro.
Ali, Bráulio Prado, com um repertório baseado nas canções tirolesas (mas confundidas com um country americano) de Bob Nelson, tornou-se popularíssimo. Aos 11 anos, já estudando acordeon com Pedro Graciano (irmão de Salvador, o Nhô Berlarmino), e piano com a professora Valtelina Leal, Bráulio desenvolveu uma carreira que, apesar de alguns intervalos, sempre o marcou.
Acordeonista da orquestra de Genésio, no início dos anos 50, ainda adolescente, já percorria a grande noite curitibana, onde havia música ao vivo ("Luigi's", "La Vien En Rose", "Jané I", "Moulin Rouge", "Marrocos", "Tropical" e tantos outros nostálgicos endereços).
Eclético, Bráulio foi um dos primeiros músicos a adotar a clavieta - "erradamente chamada de scaleta, porque quem introduziu no Brasil este instrumento unindo sopros e teclados foi a fábrica Scala de acordeon", esclarece. Bráulio é a memória musical de pelo menos três décadas de nossa música - o que torna urgente que se grave seu depoimento para o Museu da Imagem e do Som.
Filho do radialista Benevides Prado (1917-1989), durante mais de 20 anos uma espécie de "fac totum" da Guairacá, Bráulio formou-se em Direito em 1972, e apesar de exercer a profissão, não abandonou totalmente a música. Tanto é que agora, retornou ao Habeas Copus, num trabalho que o vem deixando particularmente feliz, já que ali encontra-se há três semanas alguns dos melhores músicos que já passaram por Curitiba. José Boldrini, santista, 41 anos, baixista (acústico), é um extraordinário executante deste instrumento, enquanto Atílio, baterista, trouxe de São Paulo (onde estava residindo), o crooner (e guitarrista) Amauri Etchveria, parnanguara com quilometragem internacional e com um repertório em 5 línguas, com o integral de Lennon / McCartney, mas dando também espaço para os melhores boleros do mexicano Armando Manzanero.
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Apesar da recessão, Sérgio Bittencourt, engenheiro, construtor civil e, especialmente, homem da noite - dono do Habeas Copus - está segurando a peteca. Além de manter o ótimo grupo instrumental, se preocupa em prestigiar talentos vocais. Como Selma de Castro, voz-encanto da cidade, está agora em São Paulo, fazendo mestrado na Unicamp, Sérgio contratou Hilde Christine, uma curitibana que após andanças pelo mundo, retornou para mostrar que evoluiu muito musicalmente, desde os tempos em que, ninfeta com repertório da Jovem Guarda, minissaia, formava dupla com Dirceu Graeser - seu primeiro marido - em programas de auditório da antiga "Rádio Tingui".
LEGENDA FOTO 1 - Bráulio nos teclados: 43 anos de música em Curitiba.
LEGENDA FOTO 2 - Hilde Christine: voltando à noite.
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