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Aramis

Juarez-80, a calma e o gosto do doce de banana

Os 16 anos de Rio de Janeiro, a fama, a glória e mesmo a fortuna, não transformaram Juarez Machado, catarinense de Joinville, formação em Curitiba e que hoje é nome maior das artes plásticas. A mesma simplicidade dos tempos duros em que morava numa pensão da rua 24 de Maio (onde hoje há a sede da associação dos Servidores Públicos) e que no histórico Bar Jockey, na Rua Ébano Pereira, defronte a antiga << Cocaco >>, reunia-se com uma geração de jovens artistas - Franco Giglio (agora na Itália), João Osório Brzezinski, Fernando Calderati, Fernando Velosos, Érico da Silva, domínio Renato Pedroso. Cleto de Assis (agora secretário de Comunicação Social), Jair Mendes (diretor do Museu Guido Viaro e novamente na direção do Centro Criatividade, tentando corrigir os erros que alí se acumularam), entre tantos outros - faz com que Juarez seja sempre lembrado com emoção e alegria. e apesar da vivência nacional, prêmios e publicações no Exterior, o bom Juarez está sempre presente em Curitiba. Por isso, a mostra que inaugura no próximo dia 8, na Galeria Bonino (Rua Barata Ribeiro, 578, Rio de Janeiro) merece um registro especial. Na primeira página do belíssimo catálogo - várias reproduções a cores, quase um minilivros de arte - o artista sintetiza esta sua nova fase: << Esta exposição é o resultado de dois anos fechados dentro de um pequeno atelier. Tentando descobrir o meu próprio tamanho. Minhas medidas do presente, limites no passado e o meu espaço no futuro >>. Um texto de sete páginas, de Michelle Bourjea, traça um belo perfil de Juarez - entremeados de algumas de suas frases. Que, sem favor, merecem que sejam aqui pinçadas, para que os muitos amigos do artista - e quem não o conhece ainda sinta como está o Juarez-80. *** De bermudas desfiadas, olho malicioso, dedos ágeis, Juarez Machado inscreve outros limites dentro dos limites de sua tela. Paredes nuas, Rodapés geométricos, assoalhos lisos. *** << Odeio as naturezas mortas. Se eu tenho que desenhar uma maça, o verde da maça não me conta nada. O que me interessa é a mordida na maça. E a sua história. O seu passado e o seu futuro >>. Um canto de quarto, num pedaço de corredor, um fundo de banheiro. Nesse cenário neutro, Juarez conta uma história. Sua história. Neste último ano. Ela inicia por uma limpeza total. Chega de supérfluo e de acessório. A criação desse universo anônimo desprovido de todo artifício figura um movimento de clausura, um retorno a si mesmo, uma necessidade de meditação. Ele concretiza o mundo interior do pintor, o seu desejo de cercar melhor o seu tema, ele mesmo claro, e ao mesmo tempo de dominá-lo para exibi-lo. << Me perdi. Careço me reencontrar >>. *** Circunscrito, balisado, esse mundo no qual o pintor nos faz penetrar é como um ninho protetor, um asilo, um refúgio. As paredes são barreiras entre eles e os outros. *** << Antigamente eu gostava de reuniões, gostava de sair, gostava de ter um monte de amigos a minha volta. Agora preciso de tranqüilidade. Sou prisioneiro voluntário, isso me agrada >>. *** Assim o primeiro tempo do processo criador que presidiu a elaboração da totalidade da exposição é um retiro momentâneo da festa social. de fato, sua silhueta enigmática sumiu do vídeo, nem, uma palavra sobre Juarez nas revistas, ou colunas sociais. O próprio Zózimo se calou. Todavia, se o estreitamento do espaço pictório corresponde a um movimento de concentração interior, se o pintor virou as costas para os outros de propósito, como se vê no quadro << Homem diante do espaço branco >>, é para olhar mais longe(...) Por toda parte formam-se aberturas. Portas, escadas, corredores levam para outros lugares. a angústia latente se dissolve, espessura de um céu tempestuoso de repente se fura. O espaço se areja. A luz penetra de súbito, se espalha, escorrega, acaricia, leva um convite a evasão, à idéia de confirmação opõe-se a de uma respiração. Em contraponto às grandes superfícies austeras das paredes e dos chãos revelam se áreas menores, mais trabalhadas, mais coloridas, mais vivas, como que vistas através de um binóculos. Verdadeiros objetos preciosos, parece que toda a tarefa do arquiteto teve por única finalidade confeccionar-lhes um invólucro que os proteja e ao mesmo tempo os ressalte(...) O poeta se desdobra. Fantasma. De um poeta. Esse poeta, cansado um momento das grandes cidades artificiais, da árida vida mundana, lança um olhar cheio de ternura do alto da sua maturidade rumo ao seu passado, pois essa outra realidade que o obceca, sua paisagem inteiro, é a de sua infância. << Desde pequeno eu tinha certeza de que o país da minha infância ficaria gravado dentro de mim para sempre >>. *** essas cenas se situam plenamente, no espaço, em Santa Catarina, mas antes de mais nada a evasão do pintor é temporal. Sua viagem é um retrocesso. Sereno passeio. Lento deslizar. Momentos da felicidade. Plenitude. Juarez adulto, olha para baixo - ponto de vista da maioria dos quadros - encontra de novo a << Doce Passagem >> que o leva para a criança. Para o menino feliz que, todo fim de semana, esperava na estação seu pai, caixeiro viajante. Feliz menino que, na estação esperava impacientementre o pacote de doce de banana trazido pelo pai. E de repente , ao cabo do caminho, essa estaçãozinha do inicio do século cristaliza ao mesmo tempo a afeição do pai, a impaciência da espera, o sabor do doce de banana que se derrete grudando no céu da boca, irradiando todo o seu ser. Foi em busca dessa irradiação, dessa colúpia, desse universo de infância, que o pintor partiu. FOTO LEGENDA - Juarez/80: o rosto sobre << Ligação interurbana >>, uma das telas da exposição de óleos que inaugura dia 8, na Bonino, rio.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
26/06/1980

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