O canto lírico
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 30 de dezembro de 1984
Raramente os cantores líricos têm oportunidade de fazerem gravações no Brasil. Mesmo os bons valores não conseguem perpetuar suas vozes em discos, já que o mercado é restrito - ao menos em termos de produções nacionais. Por isto, dos mais significativos o fato da Barclay ter produzido um belo elepê com o tenor João Sabó, acompanhado pela Orquestra Sinfônica de São Paulo, sob a regência de Bruno Roccella. Maurício Quadrio, um dos homens que mais tem feito pela música erudita no Brasil, no texto de contracapa informa que Sabó, paulistano, industrial e artista lírico, já venceu dois concursos de canto no Rio de Janeiro em cujo Teatro Municipal foi Rodolfo em "La Bohème" e já cantou também no Municipal de São Paulo.
Dono de bonita voz, timbre agradável "com ótimo centro (não é pouco), agudos que não dão preocupações ou sobressaltos, porque são seguros e firmes, dicção clara, acentos incisivos e apaixonados" na definição de Quadrio. Neste vibrante "Quando nascesti tu" - que o expert em música lírica, Hélio Germiniane, inclui entre os dez melhores lançamentos do ano, João Sabó interpreta árias de "Lo Schiavo" (Carlos Gomes), "Carmen" (Bizet), "Turandot" (Puccini), "La Forza Del Destino" (Verdi), "La Fanciulla Del West" (Puccini), "I Pagliacci" (Leoncavalo), "Fedora" (Giordano), "Manon Lescaut" e "La Boheme", "Tosca" e "Turando" (Puccini); "La Gioconda" (Ponchielli) e "Ainda" (Verdi).
Um excelente barítono, consagrado mundialmente - Dietrich Fischer - Dieskau - teve duas recentes gravações editadas pela Polygran: acompanhado pelo pianista Daniel Baremboim, em registro feito no ano passado pela Deutsche Gramophon, interpreta os conhecidos "15 Romanzen, opus 33" de Johannes Brahms (1833-1897), do conto "A História de amor da bela Magelone e do conde Pedro de Provença", de Ludwig Tiecke. Já acompanhado pelo pianista Aribert Retmann, interpreta as canções de Peter Ilych Tchaikovsky (1840-1893), nas quais o gênio russo revelava a excelência do seu gosto e a beleza de sua arte, não menos que o maravilhoso dom melódico. Embora não desejasse subordinar sua música às palavras, Tchaicovsky habitualmente escolhia bons poemas, acompanhando-os mais no clímax, na atmosfera do que no detalhe, com música que era complementar e satisfatória de pleno direito. Nesta preciosa gravação, temos alguns dos mais belos trabalhos em que Tchaicovsky fez sobre textos de vários poetas russos.
Também para os que apreciam as grandes vozes, temos o magnífico álbum com o soprano Jessye Norman acompanhada pela Orquestra de Gewandhaus de Leipzig, sob regência de Kurt Masur, interpretando as "Quatro Últimas Canções" e as "Canções com Orquestra" de Richard Strauss (1864-1949). Contam os biógrafos, que entre todos os Lieder com orquestra que Strauss escreveu no curso de sua longa vida, os "Quatro Últimos Lieder" ocupam um lugar à parte. Strauss tinha 84 anos e lançou, "cansado de perambular", um olhar retrospectivo sobre sua existência rica de triunfos, mas no final ensombrada por preocupações e enfermidades. Três destas canções foram adaptadas de poemas de Herman Hesse, o conhecido romancista autor de "Sidarta".
Valorizando ainda mais esta gravação, há seis versões orquestrais de seis canções favoritas de Strauss. "Zueignung", composta quando ele tinha 18 anos, a primeira que publicou. "Morgen", "Ceacilie" e "Ruhe, meine Seele" são três das canções que o jovem noivo presenteou sua amada Pauline no dia de seu casamento em 1894. A mesma área de felicidade familiar deu sua vazão a "Meinem Kinde" e "Wiegenlied", que até em virtude só de seus textos são criações encantadoras, sensitivas e serenas ao mesmo tempo.
A quem aprecia a música lírica, nas vozes de grandes intérpretes, indispensável ouvir Sabó, Dietrich Fischer - Dieskan e Jessye Norman.
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