As canções e "romanzas" na afinada voz de Sabó
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de junho de 1987
Ao lado da produção de coleções nas quais busca, de forma organizada e racional - sem esquecer o necessário apelo ao público consumidor - o que há de melhor no clássico, na ópera e no jazz, Mauricio Quadrio sempre que pode também se empenhou para que os instrumentistas e cantores líricos brasileiros fizessem gravações.
- "Eu acredito em meus projetos. Quando os lanço, tenho certeza do que faço."
A segurança de quem realmente conhece o seu trabalho. As produções de Mauricio Quadrio podem não ganhar discos de ouro em vendagem, mas são, culturalmente, o que de mais significativo existe na produção fonográfica brasileira. Isto acontece há quase três décadas e, se no ano passado, devido ao boom consumista de produtos supérfluos - e a crise do vinil para produtos de consumo, ele permaneceu por mais de um semestre sem poder colocar nas lojas os muitos projetos desenvolvidos para a CBS, agora está deslanchando. E agora as coleções que mencionamos em outro texto, realizadas em colaboração com a Breno Rossi - e séries como "New Age Music" e da nova etiqueta GRP Production - temos uma produção executiva de Maurício, com uma das mais belas vozes do canto lírico brasileiro: Sabó.
Paulista, ganhando a vida como empresário no setor mecânico, José Sabó é um explêndido cantor lírico que tem a sensibilidade de um Bienamino Giggli. Há três anos, pela Ariola, Quadrio já havia produzido um ótimo disco de José Sabó, com um repertório especialíssimo. Agora, em produção coordenada por Breno Roccella e Dino Tolezano, arranjos e regências de José Briamonti, temos novo álbum de Sabó ("Mamma Mai Che Vo'Sape"), que encantará o público ligado ao canto italiano.
O subtítulo deste álbum já expõe a proposta: "José Sabó canta canções napolitanas e romanzas italianas". O texto de contracapa de Mauricio Quadrio vale como um pequeno ensaio - e nos faz cobrar dele um trabalho de maior fôlego, sobre a música italiana, que conhece, tão bem, com tanta riqueza de detalhes. A leitura atenta do texto faz com que o ouvinte compreenda e entenda melhor as 12 canções napolitanas e "romanzas" italianas interpretadas com tanta sensibilidade por Sabó. Quadrio explica que a "romanza de salão" é uma meia-irmã da canção napolitana, inclusive pelo fato da maioria dos autores militarem nos dois campos, apesar de ter uma história limitada no tempo - praticamente o século XIX - "é um mundo que se revela através de melodias inspiradíssimas e versos literária e conceitualmente magníficos, até nas mais humildes criações".
Assim, o repertório deste disco (CBS,maio/87) apresenta uma abordagem personalíssima dos dois gêneros, em que a vocalidade plena estimula o extravasamento dos sentimentos em toda a sua gama, da mais profunda melancolia a mais esfuziante alegria.
Sobre cada canção, Quadrio traz informações interessantíssimas. Por exemplo, revela que o mastro Eduardo di Capua, em março de 1898 foi à Rússia com uma companhia de cantores napolitanas. O sucesso no Teatro Fird, de Moscou o levou a compor uma canção que se tornaria um sinônimo de música italiana: "O Sole Mio". Não foi essa a única canção napolitana inspirada pela nostalgia: "Core'Ngrato" não foi escrita à sombra do Vesúvio e sim nos EUA, em 1911, por dois imigrantes napolitanos, Ricardo Cordiferro e Salvatore Cardilo. "Mamma Mia Che Vo'Sape", que dá título a este álbum de Sabó, foi escrita em 1909 por Fernando Russo e Emanuele Nutile, um modesto professor de piano no "Albergue dos Pobres". "Torna a Surriento" foi composta pelos irmãos Giambattista e Ernesto De Curtis, mas não foi dedicada - como poderia parecer - a uma bela mulher e sim ao presidente do Conselho dos Ministros, Giuseppe Zanardelli, que em 1902 passara suas férias em Sorriento. A canção quis lembrar ao ministro que a cidade estava completamente abandonada pelas autoridades e nem mesmo tinha agência dos correios.
"Malia", de Francesco Paolo Tosti (1846-1916) e a "Rimpianto", do florentino Enrico Toseli (1883-1926) possuem uma estranha analogia: são canções inspiradas por nobres italianas. Em 1930, era lançado o primeiro filme sonoro italiano, "La Canzone Dell'Amore", ao qual se deve o primeiro hit musical do cinema peninsular, "Solo per te Lucia", de Xesar Andrea Bixio - autor também de "Parlami D'Amore Mariu", que Vittorio De Sicca (1902-1974), em início de carreira, cantava no filme "Gli Uomini che Mascalzoni", 1932, de Mario Camerini.
A canção napolitana mais recente deste álbum é "Un Uomo Tra La Folla", lançada em 1969 pelo cantor Tony Reis que a compôs em parceria com o melanês Giulio Rapetti (Mogol).
Um disco interessante, fundamental para quem se interessa pela música napolitana e confirmando o talento de um grande tenor brasileiro.
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