O prefeito bem amado que foi condecorado com um fusquinha
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de abril de 1992
Em 1967, quando foi criada a Justiça Federal, os primeiros juizes indicados para ocuparem as varas no Paraná foram o professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, que havia sido deputado federal, tendo inclusive representado o Brasil em reuniões da ONU, Heraldo Vidal Coro e Milton Luis Pereira. Representava, já, uma [ascensão] significativa para o menino pobre criado no Norte do Paraná - nas cidades de Apucarana e Califórnia, e que vindo estudar em Curitiba, em 1951, aqui ganhou seu primeiro salário como locutor da Rádio Clube Paranaense.
Milton Luiz Pereira, ao ser nomeado para juiz federal - com apoio do então governador Paulo Pimentel, que há muito o admirava por sua integridade e competência - realizava um sonho de seus tempos de estudante: a magistratura, que chegou a pensar em ingressar em 1960, quando já formado, havia se fixado em Campo Mourão com uma banca de direito. Entretanto, apesar de seu amor ao Direito, a vida o havia reservado, antes, para outras funções - uma das quais foi a política.
Formado pela Universidade Federal do Paraná, na turma de 1958, optou por uma carreira de advogado no Interior, embora, na época já fosse uma das vozes mais valorizadas na radiofonia paranaense. Com uma carta de recomendação do então deputado Amaury Silva, em janeiro de 1959, chegava em Campo Mourão onde, assustando-se com os preços das [diárias] do Hotel Brasil, preferiu enfrentar as baratas da pensão Paraná, "mas para a qual podia garantir o pagamento antecipado de um mês de hospedagem". Desconhecido na cidade, sem qualquer relacionamento, ali conheceu o então promotor Armando Queiroz de Moraes - que mais tarde viria a fazer carreira política - que foi um dos seus primeiros amigos na região. Hospedado na pensão, a espera de chances, foi procurado uma noite por um cidadão que, sabendo que [ele] era advogado, desejava [contratá-lo] para libertar o irmão que havia tomado uma bebedeira, dado uns tiros num bordel e acabando no [xadrez]. Milton foi ao delegado - um cidadão de maus bofes que, irritado, disse que não iria liberara o preso sob hipótese alguma. Habilidoso, Milton conseguiu convencer o policial de que havia um excesso de rigor e tanto argumentou que conseguiu sua liberdade. Foi então que o irmão do réu, que o havia contratado, lhe confessou que não tinha dinheiro para lhe pagar. Constrangido, ofereceu o único bem que dispunha - uma mala de couro. Milton, sem outra opção aceitou.
- "Acho que me trouxe sorte. Tanto é que a conservei comigo por anos".
Se, nas primeiras semanas, faltavam clientes, logo, graças a sua simpatia, e competência, começaram a apareceras primeiras causas. Optando por uma advocacia [voltada] aos mais humildes, passou a atender pessoas que tinham problemas de terras - dentro dos problemas graves que, nos anos 60 - pipocavam na região. Entretanto, por sua oratória e preparo do direito criminal, revelou-se um advogado dos mais procurados. Orgulha-se de ter feito 128 júris "e somente em dois na acusação". Uma advocacia extremamente humana, que lhe trouxe alegrias e grandes amizades, mas financeiramente pouco compensadora. Fiel aos seus princípios, Milton sempre pensou:
-"Um advogado pode enriquecer em menos de dez anos mas tem que fugir da comarca".
Em apenas três anos, seu prestígio cresceu tanto que, em 1962, foi praticamente intimado a aceitar sua indicação a prefeito pelo partido Democrata Cristão, que o governador Ney Braga, eleito em 1961, desejava fortalecer no Interior. Com expontâneo apoio de amigos, sem dispor de recursos pessoais para qualquer despesa, fez uma campanha pobre e na qual poucos acreditavam. O PSD tinha um forte candidato - Ivo Trombini - que chegou a receber até visita do ex-presidente Juscelino Kubitschek para ajudá-lo em sua campanha. Pouco adiantaram as forças e dinheiro da oposição: nas urnas, o povo o consagrou com 10 mil votos. Assumiu com minoria na Câmara, mas a disposição de desenvolver uma administração sincera. Hoje, passados 30 anos, repete o que dizia na época:
- "A minha sinceridade me fez ganhar o apoio e o respeito da Câmara Municipal.
Quando há sinceridade e honestidade, há o reconhecimento de quem é digno".
Sua administração em Campo Mourão, criado como município em 10 de outubro de 1947 (e que teve Pedro Viriato de Souza como primeiro prefeito) embora o povoamento da região datasse do início do século marcaria sua transformação. Sentindo a necessidade de atualizar os impostos, Milton teve o cuidado de sensibilizar os comerciantes para conseguir apoio, formando o primeiro conselho comunitário do Interior do Paraná. Com melhor arrecadação, levou a iluminação as ruas, instalou bibliotecas, constituiu uma rede básica de água e esgotos, asfaltou as ruas da cidade, abriu estradas ligando com outros municípios, facilitando o desenvolvimento da região. Em 1965, Campo Mourão era escolhido o município-modelo do Brasil. A consagração refletiu-se na insistência de seu nome para disputar o Senado - ou, no mínimo, a Assembléia, com o apoio de 15 prefeitos da região.
- "Seria uma vitória tranqüila, mas eu havia colocado que apenas cumpriria um mandato. Não iria fazer carreira política".
Quando encerrou o seu mandato, teve uma consagração pública que raras vezes ocorreu no Brasil: a população cotizou-se e arrecadando a [apreciável] somo de Cr$ 4.300.000,00 antigos, lhe ofereceu um Volkswagen 0K, de cor azul. Como, na hora em que lhe entregaram o automóvel, não haviam lembrado de colocar gasolina, dezenas de pessoas [o] fizeram embarcar, na companhia da esposa e seus filhos, e o conduziram, empurrando o carro, pelas ruas da cidade.
- "Era impossível conter as lágrimas" - recordou recentemente em depoimento ao programa Memória Histórica do Paraná. "Naquele momento, senti que o povo sabe ser justo".
Evidentemente, aquele [WV] azul, que ganhou do povo de Campo Mourão, jamais ficou fora de sua garagem. Em sua casa, na avenida Iguaçu, até hoje, o velho fusquinha recebe um tratamento especial.
- "Nem por US$ 30 mil - que é o valor que os americanos andam anunciando para os antigos volkswagen - eu o venderia!"
Afinal, foi a maior "condecoração popular" que um homem público poderia receber dos eleitores que mais do que uma vitória, lhe tributaram sua imensa gratidão.
LEGENDA FOTO
Milton Luiz Pereira, ministro nomeado para o Superior Tribunal Federal, recordando seus tempos de locutor da Rádio Clube Paranaense quando chegou para estudar Direito em Curitiba
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