Os spirituals de Satchmo e os blues da grande Bessie
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de março de 1990
Duas edições absolutamente históricas chegam aos colecionadores: "Louis and the Noly Book" e "The Collection" com Bessie Smith. Dois documentos sonoros, com nomes marcos do jazz tradicional e que merecem ser ouvidos, com a maior atenção.
Se Louis Armstrong (New Orleans, 04/07/1900 - Nova York, 06/07/1971), é o próprio sinônimo do jazz e não existe quem não o identifique como a própria imagem da cidade que nasceu, Bessie Smith (Chatanooga, Tenessee, 18/04/1898 - Clarksdale, Mississipi, 26/09/1937) só, hoje, passados 50 anos após a sua morte, começa a ser devidamente apreciada no Brasil.
Na linha dos grandes cantores de work songs, ainda nos tempos da escravatura, numa descendência da pioneira Ma Rainey - e que, por sua vez influenciaria a melhor vocalista de jazz de todos os tempos, Billie Holiday, a grande Bessie teve uma vida agitada. Chegou a ganhar muito dinheiro, fez fama e deixou na CBS dezenas de gravações - que até hoje continuam em catálogo, mas que no Brasil só foram editadas há pouco tempo, em três álbuns duplos.
Sua morte foi trágica: vítima de um acidente automobilístico, quando viajava no Mississipi, não foi admitida no hospital devido a sua cor.
Poderia ter sobrevivido, mas morreu em poucas horas. No ano passado, a José Olympio lançou uma biografia de Bessie Smith e a CBS incluiu mais um volume - The Collection - de sua obra, reunindo gravações antológicas feitas entre 1923/33. Sua voz negra, densa, dramática, revitaliza blues históricos, nas quais é acompanhada por músicos marcantes daquela época pioneira - em que mínimos recursos técnicos não impedem de se colocar coração e emoção em cada faixa.
"Louis and the good book" foi um projeto desenvolvido por Louis Armstrong entre 4 a 7 de fevereiro de 1958, registrando canções em forma de "spirituals" - numa gravação da Decca (hoje MCA, uma das etiquetas do grupo WEA) que tem merecido inúmeras reedições. Sempre bem-vindas, pois se constituem, realmente, no que de mais interessante existe para mostrar as raízes religiosas do canto negro. Nas sessões em que gravou as 12 canções que estão neste álbum, Louis foi acompanhado de Sy Oliver Choir e de convidados especiais, como Billy Kyle no piano, Nickie Tagg no órgão, George Barnes na guitarra, Barret Deems na bateria, entre outros. Sy Oliver fez ainda os arranjos e as adaptações e as canções possuem, naturalmente, um grande sentido religioso. Os destaques vão para "Go Down Noses", "Ezekiel Saw De Wheel", "Sometimes", "Feel Like a Notherless Child" e "Jonah and the Whale".
Desnecessário, cremos, falar na biografia de Louis. Seria o mesmo que, ao se citar Pixinguinha (re)contássemos sua trajetória. Aliás, ambos viveram na mesma época e quando o grande Alfredo da Rocha Viana Filho esteve em Paris com os 7 Batutas, por pouco não deixou de se encontrar com Satchmo. Imaginaram que reunião teria sido?
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