Login do usuário

Aramis

Paula e o novo Fado

Paula Ribas, portuguesa de Algarve, alta, loira - já foi morena e tão comunicativa quanto inteligente, afirma de princípio: - Nós também não gostamos de Fado. Ao menos do Fado tradicional. Aparentemente agressiva em sua afirmação, a cantora faz questão de explicar: - Eu e o Luis ( N'Gambi, seu marido, violonista e arranjador) só agora, pela primeira vez, gravamos Fados. E justamente para mostrar um novo tipo de Fado - bem diferente daquele que o público brasileiro está(va) acostumado a ouvir. Primeiro foram Fados Brasileiros - descobertos por Aluizio Falcão e Teresa Souza, na obra de Vinicius de Moraes, Cecília Meireles e Carlos Pena Filho - para só citar três poetas maiores. Agora, isto é, há um mês, os Fados de José Afonso, para o belíssimo lp "Portugal Hoje", também produzido por Marcus Pereira, um publicitário que trocou a propaganda pela realização do que de melhor existe na música, coleção "Música Popular do Nordeste" (4 lps, troféu Estácio de Sá - 73). Na cidade, fazendo uma longa temporada e também tendo gravado um programa para a Rádio Iguaçu e participando do programa "Frente a Frente", na semana passada, Paula e Luis N'Gambi, estão preocupados em mostrar um novo Fado - que não esperam seja aceito pelos consumidores tradicionais e, muito menos, pela colônia portuguesa. Repetindo o que já disse à alguns jornalistas cariocas- como à Tarik de Souza e Nelson Motta, Paula explica que o público brasileiro vinha recebendo nos últimos anos o que havia de pior na música portuguesa: o fado de exploração. Estúpido, vulgar e retrógrado, o fado ouvido no Brasil representou bem o estado de letargia cultural em que estavam os artistas portugueses. Ou melhor, que se pensava que estavam. Pois durante os últimos anos existiu uma total falta de acesso do público brasileiro às novas manifestações culturais e criativas que duramente floresciam em Portugal. Como José Afonso, por exemplo. Comparado a Chico Buarque de Holanda e ao norte-americano Bob Dylan - pelo vigor poético, emoção, explosões de sonhos e sonhos explosivos em seus versos - José Afonso - chamado em sua terra de Zeca Afonso, teve uma de suas músicas - "Grandola, Vila Morena" usada como senha para deflagração dos acontecimentos políticos de abril em Portugal. Luis N'Gambi, 28 anos, nascido em Loanda, capital de Angola - a mais rica das províncias ultramarinas, explica este fato: - Esta música - "Grandola", composta por José Afonso quando passava pela Vila de Alentejo, onde os lavradores de trigo são morenos do sol obsessivo da cidade, foi uma canção histórica por acaso. A música a ser usada como senha pela Rádio Renascença de Lisboa para dar o sinal à revolta seria "Traz Outro Amigo Também", igualmente incluída em nosso lp "Portugal Hoje". Na confusão a gravação escolhida não foi encontrada e a Rádio Renascença, que liderava a cadeia de emissoras, acabou tocando "Grandola, Vila Morena", também proibida pelo antigo regime. E a prolongada batalha de José Afonso, algumas vezes preso, outras obrigado a gravar fora de Portugal, acabou indelevelmente consagrada no populoso coro de "Grandola, Vila Morena/terra da fraternidade/ o povo é quem mais ordena/dentro de ti, ó cidade". No Brasil desde 1970 - veio para o penúltimo Festival Internacional da Canção, onde defendeu Portugal com a "Canção da Paz Para Todos Nós" de Jorge Costa Pinto - Paula Ribas se entusiasmou com a Guanabara e, de volta a Lisboa, convenceu a Luis N'Gambi, e à sua mãe, e voltaram em 1972, aqui se fixando em São Paulo - contratados pelo restaurante "Abril em Portugal". Foi ali que Marcus Pereira os foi buscar para gravar o lp "Fados Brasileiros", onde reuniu composições de Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Marcos Calazans, Chico Buarque, Chico Alves, Carlos Pena Filho, Caco Velho, Dorival Caymmi e Caetano Velloso. Com 40 discos gravados - dos quais 10 lps, apresentações em 17 países, cantando em inglês, francês, português, italiano e espanhol - seu repertório vai de "Hino ao Amor" aos mais felizes sucessos de Bacharach/ David - Paula Ribas já fez três filmes em Portugal: "O Amor Desceu de Pára-quedas", "Férias em Lisboa" e "Sarrilho de Fraldas", este último rodado em Angola. Já Luis N'Gambi começou em 1961, tocando guitarra elétrica num grupo de música pop chamado, apropriadamente "Os Rocks", com o qual esteve até 1968. Foi nos "Rocks" que conheceu Paula Ribas, "então ela cantava twist", diz brincando. Juntos, começaram a procurar um repertório de melhor nível - "a música portuguesa não nos satisfazia" e começaram também a se apresentar no Exterior. Luis N'Gambi vem pesquisando a música de Angola - "que em breve será independente, se Deus quiser" - para um lp que também sairá por Marcus Pereira. N'Gambi acredita no sucesso deste disco - "afinal as raízes são as mesmas do Brasil". Dando um exemplo, sola o semba, rítmo que seria, segundo os folcloristas brasileiros, "o pai do samba". Na língua de angola aliás sembi significa umbigo e massemba, uma dança conhecida no país e que seria a umbigada brasileira. Preocupados em comunicar-se com o público jovem, Paula e Luis querem fazer um circuito universitário, com um espetáculo que mostre ao lado das composições de José Afonso também a música folclórica de outras províncias portuguesas. Para dar um exemplo de que as músicas do Zeca Afonso comunicarão bastante ao público jovem do Brasil, Paula Ribas canta uma estrofe de "Por Trás Daquela Janela": "Se a minha faca cortasse Se aquela parede andasse E um grito enorme se ouvisse Duma criança ao nascer.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
9
01/09/1974

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br