Promessa de candidato em sátira inteligente
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de janeiro de 1986
Felizmente tem crescido o interesse dos pesquisadores por interpretações em blocos temáticos da música brasileira. Até mesmo os sambas de enredo para 1986 já permitem analisar os temas que, neste ano, serão os mais cantados - como o Cometa Halley, a inflação, a Nova República etc. Se de um lado existe uma preocupação política dos compositores das escolas de samba - especialmente do Rio de Janeiro e São Paulo, cujos sambas-de-enredo já foram lançados em lps (RCA, Continental etc.), por outro nota-se também reflexos de uma liberação de costumes, chegando mesmo ao erotismo.
Mas ao lado do Carnaval há também as músicas que surgem relacionadas a determinadas épocas e situações.
Luciano Lacerda, 65 anos, dono da mais organizada coleção de discos em 78rpm, tem, pacientemente, reunido exemplos de gravações políticas - desde jingles de candidatos dos anos 30 - até hinos e paródias, num trabalho dos mais interessantes. Por várias vezes, graças ao bem organizado arquivo de Luciano, produtores puderam realizar trabalhos de nível nacional sobre a política e a MPB.
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Em fins de outubro, a RCA lançou um compacto simples de um novo cantor e compositor - Eduardo Silbert (de quem pouco se sabe) com uma deliciosa composição: "Melô do Candidato". Numa longa letra, Silbert faz uma sátira às promessas eleitorais, num samba de muito ritmo. Apesar da gravação não ter tido a divulgação merecida, ela continua válida - e como continuamos em clima de eleições, vale a pena conhecer ao menos alguns trechos da sátira.
Se eu for eleito/ Boto água nas torneiras.
Mando calçar ruas/ E tapar a buraqueira.
Quem tem fome neste mundo/ vai comer em prato fundo.
O mendigo, o vagabundo/ Já não vão comer poeira
(...)Se eu for eleito/ Dou emprego a todo nego
Pro operário, pro pelego/ Para os penitenciários.
Vou botar, não é balela! Muita bica na favela.
Tô com ela! Tô com ela!
Todos vão ser proprietários.
Se eu for eleito! O meu plano de finanças
Não vai ter uma só lambança/ Já tracei prioridades
E com bem-aventurança/ Na goela das crianças
Vai jorrar leite na pança/ De excelente qualidade
Se eu for eleito! O teu que é torto e tão estreito
Eu endireito, vou alargar/ Pode escrever, vem me cobrar
Se eu vencer/ Vai ser você quem vai mandar.
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Numa segunda parte, Silbert coloca toda sua ironia:
E foi eleito/ E aí sem mais aquela
Deu adeus para a favela/ E um emprego para a amante
E rasgou a fantasia/ Mergulhou na mordomia
Triturou a democracia/ Com as promessas do palanque
E num delírio sorrateiro/ Deu as costas pros parceiros
E achou que o mundo inteiro/ Contra ele conspirava
Da imprensa ao jornaleiro/ Do mendigo ao banqueiro
Todo o povo brasileiro/ Qualquer um que discordava
E dito e feito! Quer ser eleito pra presidente
E o que faz a nossa gente? Tá no curral eleitoral
Lá tem discursos, tem Carnaval/ É o pulo do gato, do candidato
Agora é nacional
Se for eleito! Nem Deus dá jeito/ Que nó no peito.
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Na brincadeira musical de Eduardo Silbert há muita verdade. Cada um pode vestir a carapuça em quem quiser.
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