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Sônia, uma Gradiva na luta anti-preconceitos

Há quase quatro meses, em São Paulo, uma psicóloga de Curitiba, Sônia Maria Collere Giudi, recebeu o Prix Swan de Reconaisance, a laureação máxima concedida pela Instituition Memorial Marcel Proust, da Bélgica, as pessoas (ou entidades), cuja contribuição é reconhecida como "de excepcional importância na luta contra os estigmas sociais". Uma laureação de tamanha importância, que foi entregue pelo monsieur Serge Nolais, diretor do memorial Marcel Proust, encerrando uma ampla programação, que reuniu personalidades de várias áreas, passou totalmente anônima na imprensa paranaense - e assim continuaria se não fosse a iniciativa da vereadora Rosa Maria Chiamulera em propor, na Câmara, um voto de louvor a distinção obtida pela psicóloga Sônia Maria. Tânia tímida e modesta quanto importante e idealístico é o trabalho ao qual se dedica há 20 anos, Sônia Maria é daquelas pessoas que se entrega a um trabalho comunitário como razão de vida. Assim é que junto com alguns amigos vem desenvolvendo uma missão notável em favor da eliminação de preconceitos, "sejam de qualquer origem", num projeto inteligente em que ao invés de manifestos, protestos e atos públicos procura conscientizar as pessoas sobre a irracionalidade que é manter qualquer discriminação. Assim o seu grupo - com o afetivo nome de Somos - Sociedade Educação Ciência e Ação Social - não tem sede definitiva (o que, inclusive, lhe traz problemas para a guarda do material reunido nestes 20 anos), não se preocupa com cadastramento oficial dos voluntários que neles se integram e evita qualquer promoção pessoal. Em compensação, através de um trabalho subliminar e, sobretudo, extremamente diplomático procura ir nas fontes onde existam preconceitos e, "pouco a pouco, lenta, gradual mas firmemente, mostrar que o preconceito não pode conviver com a dignidade humana" diz Sônia Maria. Um exemplo de como a Somos age em seus projetos: identificada uma empresa que discrimina funcionários acima de certa idade, procura a organização desenvolver um trabalho de aproximação com sua direção, através de cursos, palestras e mesmo entrevistas, nas quais, sem fazer imposições ou protestos, mas, lentamente, mostrar a executivos que, obedecendo, "regras rígidas" discriminam o acesso de pessoas com acima de uma determinada idade. - "Fazemos, assim, um trabalho lento, mas que planta nas consciências de quem pode influir positivamente as sementes de uma realidade diversa daquela que oficialmente é importante. Mesmo sabendo que nosso trabalho é lento - é difícil de conseguir resultados imediatos - temos feito algumas conquistas". Contra qualquer tipo de discriminação - racial, religiosa, etária, sexual, comportamental, etc - a Somos nasceu de uma experiência pessoal, sofrida por Sônia Maria, há 20 anos, quando viu três de seus melhores amigos mortos num acidente automobilístico, provocado criminosamente, serem esquecidos - enquanto os responsáveis, mesmo identificados, mas pertencentes a uma categoria social poderosa - absolvidos. - "Foi um preconceito social que sofri, através desta injustiça e decidi, então, desenvolver um trabalho de conscientização" diz a psicóloga que, radicada em Curitiba desde 1982, aqui encontrou outras pessoas identificadas a sua cruzada. Mineira de Muzambinho, 40 anos completados dia 3 de agosto, formada pela Universidade de São Paulo - turma de 1979, Sônia Maria possui a clínica Gradiva, na qual desenvolve um trabalho voltado a psicologia social. O movimento Somos, presidido nacionalmente pelo amazonense Moisés Marreiras, um técnico do Cefet, tem hoje uma abrangência que ultrapassa Curitiba, pois muitas das idéias desenvolvidas por Sônia e seus companheiros tem sido levados a outros estados. Idéias que desenvolveu em sua tese de pós-graduação em sexualidade humana, defendida há três anos na Universidade Gama Filho, sobre "a contribuição para o estudo do papel do educador pré-escolar na formação da identidade de gênero" tem servido a profissionais de muitas cidades. Reconhecendo que preconceitos existem, naturalmente, dentro de qualquer pessoa - "por mais liberal que seja" - Sônia Maria não teme em afirmar que vê, muitas vezes, "os cientistas como preconceituosos, pois sendo seres humanos também tem seus preconceitos, mas possuindo o conhecimento da ciência, suas palavras podem transmitir uma ideologia dominante, justificando os mais pesados preconceitos". Exemplos não faltam para comprovar suas palavras. Também, lucidamente, Sônia Regina reconhece que da parte de grupos estigmatizados - negros, homossexuais, prostitutas, etc - formam-se bolsões preconceituosos, neste caso contra outros setores, "e conclui já que é mais difícil eliminar o preconceito, em muitos casos, da pessoa estigmatizada do que daquela não estigmatizada". Horroriza, entretanto, a Sônia Maria - e nisto interpreta o pensamento dos seus companheiros de ideal, do grupo Somos - a adesão panfletária a movimentos aparentemente contra preconceitos, "mas que na verdade a nada conduzem, ao contrário, provocando ainda maiores conflitos entre categorias sociais, grupos étnicos, profissionais, sexuais e religiosos". Justamente, esta característica - uma espécie de gandhismo contra o preconceito - é que deu ao seu trabalho um reconhecimento internacional. Mãe de dois filhos, uma presença mignon, voz suave - e que escolheu para nome de sua clínica - Gradiva a imagem definida por Breton como "... aquela que avança: a que resplandece ao avançar", Sônia Maria é, antes de tudo uma mulher de fé e esperança. Uma mulher de iluminada beleza, preocupada antes de tudo com o próximo - e buscando um caminho de entendimento, tolerância e compreensão em que o racional tenha antes de tudo um entendimento passado pelo coração. LEGENDA FOTO - Sônia Maria: o Prix Swan de Reconaisance pelo seu trabalho contra a discriminação, desenvolvido anonimamente em Curitiba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
19/10/1991

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